Em março do corrente ano
este Louco registrou o que denominou O
renascimento de José J. Veiga, com o relançamento de Os cavalinhos de Platiplanto, pela Companhia das Letras (2015). (http://loucoporcachorros.blogspot.com.br/2015/03/o-renascimento-de-jose-j-veiga.html)
Depois veio A hora dos ruminantes, pela mesma
editora. E agora surge o excelente romance Sombras
de reis barbudos.
O aparecimento do livro
ocorreu originalmente em plena efervescência da literatura latino-americana,
dominada pelo realismo fantástico dos anos 70. Veiga antecipou-se a este
movimento, segundo Antonio Candido, com Os
cavalinhos de Platiplanto (1959).
Há
quem considere Sombras de reis barbudos
o melhor romance de Veiga. De fato, a linguagem é muito bem acabada, na voz de
um narrador adolescente de 16 anos de idade, sempre deslocado em meio a adultos
assustados. Os conflitos familiares e sociais estão presentes ao longo do
livro, trazendo a lembrança de Borges, Garcia Marques e até Kafka.
Lá
pelo meio da narrativa surge um capítulo espetacular, intitulado Pausa para um mágico, metáfora com o
objetivo de ludibriar a plateia e entreter o leitor. Reproduzo aqui um trecho
do capítulo:
“É difícil explicar, mas no momento em que a cortina se abriu senti
qualquer coisa diferente no ar, assim um arrepio vindo não sei se de dentro ou
de fora de mim, uma mudança na qualidade dos sons, como se meus ouvidos
tivessem acabado de passar por uma limpeza sensacional, e sei que todo mundo
sentiu a mesma coisa. O homem que estava no palco de braços abertos para a
plateia – o mesmo que eu tinha visto dias antes na sala de espera – era
novamente o Grande Uzk dos cartazes.
... Ninguém se mexia, ninguém falava, e acho que se ele ficasse naquela
posição de cruz até o fim do espetáculo ninguém ia reclamar.
... Naquela noite, e nas outras, o Grande Uzk fez o que quis, virou o
mundo pelo avesso na nossa frente, desmanchou-o e montou de novo de maneira
diferente, nós vendo tudo e não acreditando, ainda hoje não acredito.”
Redescobrir
um autor como J. J. Veiga nos dias de hoje é uma felicidade inspiradora para a
literatura brasileira contemporânea.