quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Congresso caduca



Agentes e voluntários iniciam hoje o 7º dia de buscas 
no cenário da tragédia.
Foto: Wilton Júnior/Estadão
“O Congresso deixou caducar medida provisória que aumentava de R$ 3,2 mil para R$ 30 milhões a multa máxima que a Agência Nacional de Mineração (ANM) pode aplicar a mineradoras. Com isso, o desmoronamento da barragem em Brumadinho poderá custar à Vale punição de valor pouco maior do que uma multa por embriaguez ao volante. Até agora, as equipes de buscas contabilizam 99 mortos e 259 desaparecidos na tragédia.”

Penso eu que "deixou caducar" é força de expressão. Melhor seria dizer que o Congresso impediu que fosse aprovada a medida provisória, por articulações da hoje conhecida como "bancada da lama".

O país perde aos poucos sua dignidade.






terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Bem-te-vi

fotominimalismo




Clique na foto para ampliar.

Foto: AVianna, nov 2018.

Rodízio de goleiro?




O goleiro Jailson durante treino do Palmeiras
Foto: Cesar Greco /Ag. Palmeiras



“Felipão radicaliza rodízio no Palmeiras e reveza goleiros. Weverton, Fernando Prass e Jailson disputam preferência do treinador”. A reportagem é de Rafaela Cardoso para a Folha (29.jan.2019). 
Qualquer equipe de futebol muda seus jogadores com grande frequência, chegando mesmo a escalar um time diferente a cada jogo do campeonato, no Brasil ou em qualquer lugar do mundo.  No entanto, a posição do goleiro costuma ter um nome fixo, em clubes ou na Seleção.
Não é o que vem acontecendo no Palmeiras de Luiz Felipe Scolari.
        Na estreia do Campeonato Paulista, Weverton entrou; na segunda rodada jogou Fernando Prass; e, por último, Jailson; três goleiros diferentes em três jogos.
O rodízio no gol causa certa estranheza. Afirma Velloso, ex-goleiro do Palmeiras: “Eu só acho válido esse rodízio se realmente houver alguma dúvida de quem deve ser o titular. Se ele [Felipão] não tiver dúvida, acho que é ruim.  ... O goleiro é uma posição completamente diferente. Precisa de ritmo, precisa ter confiança. Se Felipão tiver dúvida, precisa definir logo e colocar o goleiro para jogar, como fez no ano passado”.
Mas Felipão está com tudo, Campeão Brasileiro de 2018, e pode abusar do direito de inovar. Tomara que dê certo.




Ao mar


ó mar imenso mago
líquida esmeralda
eterno dançarino horizontal
sobre tablado invisível
cão pacífico
a lamber de maré
as franjas dos continentes
a sussurrar em linguagem de espuma
a abraçar o mundo
cúmplice da lua
parceiro do sol
mar das regiões abissais
onde há peixes cegos
e criaturas de formas improváveis
partilho contigo ó mar
a funda escuridão do pensamento


                                               Paulo Sergio Viana



Também no Blog do Paulo:

Arraias empilhadas




Foto premiada em 2018 na Austrália!




Em 2019, Paula repete a dose, melhorada!




À frente da arraia há um peixinho capitão!


Clique nas fotos para ampliá-las.

Fotos: Paula Vianna, Austrália

Prevenção de acidentes


Dois alertas importantes listados por Hélio Schwartsman em sua coluna de hoje no Estadão (29.jan.2019): 

“Nossa espécie é péssima em avaliar riscos. Um ser humano típico tem medo de cobras e tubarões, mas não hesita muito em fumar ou acelerar seu carro. Nos EUA, onde as estatísticas são mais confiáveis, cobras e tubarões matam, respectivamente, cinco e 0,5 pessoas por ano, enquanto o cigarro e os acidentes de trânsito geram 480 mil e 35 mil óbitos anuais.”

A segunda é mais uma esperança: 

“Espero que o desastre sirva para arrefecer o clima de “liberou geral” que o governo Bolsonaro prometia levar à área ambiental. Olhando para a frente, seria importante desenvolver mecanismos para que empresas e a própria legislação não se acomodem com as tecnologias antigas e busquem continuamente aprimoramento na segurança, mesmo que a um sobrepreço.”

Por trás disso tudo está a falta de Educação adequada. Cuidado com a própria vida e com a vida dos outros também se aprende na escola e fora dela.



segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Camuflagem

fotominimalismo




Foto: Vianna, jan 2019

A Morte em dois Diários


Em postagem recente (22 jan), trouxe a este blog fragmento do Diário de Carlos Drummond de Andrade, onde o poeta descreve a exumação e inumação dos ossos de sua mãe, em Itabira. O texto é comovente, tamanha a intimidade nele revelada. (http://loucoporcachorros.blogspot.com/2019/01/diario-do-poeta.html)
            Encontro agora no Último Caderno de Lanzarote, de autoria de José Saramago, texto análogo, e penso que vale a pena comparar a escrita de ambos, Drummond e Saramago, dois dos maiores escritores da língua portuguesa.
            Morreu Ilda Reis, com quem Saramago foi casado durante 26 anos e teve uma filha. Em 7 de janeiro de 1998 ele escreve em seu Caderno:

“Levámos a Ilda ao cemitério novo de Carnide. O céu estava encoberto, choveu durante o caminho. Instalado numa encosta de suave pendente, em plataformas amplas onde não há (por enquanto?) um único jazigo, o cemitério de Carnide tem ao meio, paralelas, duas correntezas de água que vêm descendo mansamente de socalco em socalco. Como o tempo. A Ilda nunca veio aqui, mas estou certo de que também teria pensado: “Olha, é como o tempo passando.” E talvez acrescentasse: “Este arquiteto tinha as ideias claras”. Digo eu agora: se as almas realmente existissem, o melhor uso que poderiam fazer da sua eternidade seria virem sentar-se em lugares assim, na margem dos rios, estes e os naturais. Caladas elas, calados eles, alguma vez a chuva caindo sobre as últimas flores. Nada mais.”

            A escrita de Saramago é definitivamente poética, prosa poética. Descreve o cemitério e faz analogia com o tempo; daí chegar-se às almas (se existirem) e à eternidade é um pulo. Como no texto drummondiano, não há traços de tristeza ou sofrimento diante da morte em tais circunstâncias. Há sim uma certa ironia quando Saramago diz “A Ilda nunca veio aqui”, penso eu, e ironia é um dos traços marcantes do autor.
            Ler Drummond e Saramago, o que mais podemos querer da vida?

Tragédia

A foto do dia



Tragédia em Brumadinho. Tentativa vã de salvar o animal pelos voluntários. A vaca foi sacrificada.

Foto: Wilton Júnior / Estadão



domingo, 27 de janeiro de 2019

Mais 3 fotos da Paula









Detalhe da foto acima:
um leatherjacket em frente à agua-viva
olhando para a câmera.
Eles vivem junto da água-viva,
que os protegem dos predadores.
Informa a fotógrafa,
conhecedora da vida marinha!






Fotos: Paula Vianna, Austrália, jan 2019.

Suicídio assistido




24 novembro 2015: “O cientista que ajudou a mãe a morrer foi preso e virou voz pró-suicídio assistido” (BBC Brasil).
"Houve grande alívio depois que ela bebeu (a mistura  [18 comprimidos de morfina diluídos num copo dágua]). Então sentei ao lado dela e conversei sobre minhas memórias de infância. Uma hora depois ela perdeu a habilidade para falar e caiu no sono. Eu também dormi, e quando acordei ela tinha morrido", conta Sean Davison, que escreveu um livro para contar a experiência.
Em 2011, Davison foi condenado por homicídio doloso na Nova Zelândia, onde morava a mãe do cientista; a pena foi revertida para crime de incentivo de suicídio, com punição bem mais branda: cinco meses de prisão domiciliar.
Os eventos levaram Davison a se tornar um ativista pró-eutanásia. Ele fundou a Dignity SA, ONG que faz lobby na África do Sul para a criação de uma lei permitindo o suicídio assistido. 
Afirma Davison: "Quando minha mãe estava doente, minha cabeça estava voltada para mantê-la viva, mesmo com sua saúde se deteriorando na minha frente. O dia em que ela me pediu que a ajudasse a morrer foi um choque. Passei dias refletindo sobre o pedido, até que finalmente percebi que a decisão não era minha, e sim de minha mãe. Quem era eu para dizer para minha mãe que ela não poderia morrer e que teria de continuar apodrecendo em uma cama?"
Patricia, a mãe de Davison, era médica, e durante sua agonia recusou tratamento. Ficou paralítica e perdeu o paladar, o que a levou a fazer uma greve de fome para tentar acelerar sua morte. "Ela não conseguia mais ler e pintar, que eram seus principais hobbies, porque também perdeu a habilidade de mover os braços. Quando ela parou de se alimentar e pediu que não a levássemos para um hospital, achei que sua morte seria rápida. Mas cinco semanas se passaram e ela ainda continuou viva." 
“O cientista escreveu um diário relatando a experiência, que enviou para uma irmã. "Ela me disse: 'você tem que publicar isso'. Era um documento do que tinha passado, foi uma forma de lidar com o estresse de tudo o que aconteceu. Minha irmã é assistente social e várias vezes tinha se deparado com casos em que parentes ajudaram entes queridos a morrer. Ela achava que tornar minha experiência pública poderia ajudá-los a ver que não estavam sozinhos".
Porém, outra irmã do cientista não apenas foi contra a publicação como entregou uma cópia do diário para a polícia neozelandesa. 
Afirma Davison: "Não fui julgado apenas pela Justiça, mas pela mídia e pela sociedade. Para aqueles que me criticam, só peço que se coloquem no meu lugar antes de emitir opiniões." 
"A Nova Zelândia é um país muito religioso e o suicídio assistido é uma questão delicada. As pessoas não param para pensar na morte, a não ser na hora em que precisam lidar com ela. Não acho que ninguém precisa deixar de ser preocupar com a vida, mas ter consciência de questões relacionadas à morte é importante", finaliza. 
Mesmo em tempos de fundamentalismo religioso, este blogueiro voltará sempre a este tema.


quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Último Caderno de Lanzarote




Finalmente chega-me às mãos – o que não passa de força de expressão pois interessa mesmo é chegar-me aos olhos e depois ao espírito –, o Último caderno de Lanzarote, de José Saramago, editado pela Companhia das Letras, 2018. 
            O livro vem acompanhado de outro, Um país levantado em alegria, do jornalista Ricardo Viel, ambos com o igual formato 18 x 15 cm, incluídos numa pequena caixa ilustrada com a inconfundível paisagem de Lanzarote, trazendo curiosa advertência: “não podem ser vendidos separadamente”. Como a caixa vinha fechada e o preço era bem salgado, a ideia que me ocorreu é que se tratava de jogada comercial: junto do trigo, vai o joio. 
Que nada! 



            Um país levantado em alegria traz o subtítulo20 anos do prêmio Nobel de literatura a José Saramago, dividido em capítulos: Os dias do Nobel (O segredo, A hora do anúncio, Eterno candidato, A festa em Frankfurt, O Nobel na Espanha, A recepção em Portugal, A consagração em Estocolmo), As felicitações, Discursos de Estocolmo, Diários de Pilar del Río. Para quem idolatra o português é pura emoção saber de tantos detalhes. Delícia de livrinho! 



            Em uma espécie de introdução, Pilar del Río informa que o sexto Caderno permaneceu como que oculto num dos computadores de Saramago, em pasta intitulada “Cadernos”; pensava-se que ela continha apenas os cinco cadernos já publicados; para surpresa de Fernando Gómez Aguilera, encarregado de organizar conferências e discursos do autor, lá estava gravado o sexto caderno, esquecido de todos, e que agora chega até nós, 20 anos após ter sido escrito e oito anos após a morte do autor. Que presente!
            A caixa, como já informei, traz bela paisagem de Lanzarote, foto de João Francisco Vilhena; as capas de ambos os dois volumes são preciosas: a foto do Cadernoé do nosso Sebastião Salgado, na Ilha de Lanzarote, 1996; e a de Um país levantado, de Daniel Mordzinski, em Paris, 1998.
            E o diário tem início com a data 1 de janeiro de 1998, ano em que o primeiro autor de língua portuguesa ganha o Nobel de Literatura.
            Fragmentos deste Último Caderno virão ao blog à medida que o livro, bem devagar, for saboreado. Assim tem início o primeiro texto:

“Durante a noite, o vento andou de cabeça perdida, dando voltas contínuas à casa, servindo-se de quantas saliências e interstícios encontrava para fazer soar a gama completa dos instrumentos da sua orquestra particular, sobretudo os gemidos, os silvos e os roncos das cordas, pontuados de vez em quando pelo golpe de timbale de uma persiana mal fechada. Nervosos, os cães lançavam-se de rompante pela gateira da porta da cozinha (o ruído é inconfundível) para irem ladrar lá fora ao inimigo invisível que não os deixava dormir. Manhã cedo, antes mesmo do pequeno-almoço, desci ao jardim para ver os estragos, se os houvera.”

Pequena amostra do brilhante Saramago de sempre!

            
            

Alsop ganha o Crystal Awards




“Nesta segunda-feira (21), durante a cerimônia de abertura do Fórum Econômico Mundial em Davos, a Regente Titular e Diretora Musical da Osesp, Marin Alsop, recebeu o prêmio Crystal Awards, um reconhecimento por sua liderança na promoção da diversidade na música.
Logo após receber a honraria, Marin subiu ao palco para conduzir a Taki Concordia Orchestra, em parceria com a Orquestra do Southbank Centre e a Royal Academy of Music.
          Em dezembro deste ano, Marin receberá o título de Regente de Honra da Osesp, um reconhecimento à parceria que ajudou a elevar o perfil da Orquestra dentro e fora do Brasil, e à sua visão humanista, fonte de inspiração para as atividades educativas e de formação de público da Osesp.
          A partir de 2020, Marin Alsop será Regente Titular da Orquestra Sinfônica da Rádio de Viena.”



Luz de Sorolla

Meus quadros favoritos




Joaquin Sorolla

Paula brilha mais uma vez

A foto do dia


Em Alotan, Papua Nova-Guiné


Foto: Paula Vianna, jan 2019

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

A solidão de Drauzio Varella


Drauzio Varella, em artigo intitulado Solidão Universal, para a Folha de S. Paulo deste domingo último (20.jan.2019), descreve com precisão, grande capacidade de síntese e estilo literário inconfundível, a sucessão de eventos (improváveis) que nos trouxeram até os dias de hoje. 
O tema é fundamental e atualíssimo, na tentativa de fazer frente ao fundamentalismo religioso institucionalizado, que pretende retroceder ao tempo do criacionismo. O antídoto perfeito chama-se Evolução das Espécies, realidade expressa pelas incontáveis pesquisas e descobertas realizadas até hoje.
Eis um resumo do que escreve Varella.

1 . “Estamos sós no Universo. ... Os hominídeos que nasceram nas savanas da África, há 6 milhões de anos, foram frutos de adaptações a mudanças ambientais e eventos aleatórios que jamais se repetiriam em outro corpo celeste na ordem cronológica em que ocorreram aqui.”

2 . Origem da vida na Terra há mais de 3 bilhões de anos.

3 . “As primeiras criaturas semelhantes aos mamíferos não esperaram a extinção dos dinossauros para nascer (como se imaginava), surgiram há cerca de 210 milhões de anos, época em que os cinco continentes ainda estavam unidos, formando a Pangeia.”

4 . “Esses mamíferos primordiais já apresentavam características que reconhecemos familiares: dentes de leite na infância, saliências e sulcos nos molares, pelos no corpo, musculatura mastigatória robusta e cérebros grandes. Eram insignificantes comedores de insetos, pequenos como os ratos, que mantinham hábitos noturnos, cuidado providencial para escapar dos crocodilos e dinossauros que não paravam de aumentar de tamanho na vizinhança.”

5 . “Há 200 milhões de anos, um cataclismo monumental fraturou a Pangeia em diversas áreas. No final, os cinco continentes estavam separados. A atividade vulcânica causou nova extinção em massa, oportunidade aproveitada pelos animais que souberam ocupar os espaços abandonados pelos que se foram; entre eles, os dinossauros e os mamíferos.”

6 . “Cerca de 145 milhões de anos atrás, uma variação anatômica foi decisiva para a sobrevivência dos mamíferos: o encaixe dos dentes entre as arcadas superior e inferior, inovação que ampliou a possibilidade de alimentação mais variada.”

7 . “Ao redor de 100 a 120 milhões de anos, outra surpresa: apareceram as angiospermas, plantas que dão flores e frutos acessíveis a animais com a dentição apta para mastigá-los. Apesar da performance ecológica razoável, esses pequenos mamíferos chegaram perto da extinção por culpa dos dinossauros, brutamontes insaciáveis, acostumados a devorar tudo o que viam pela frente.” 

8 . Queda de asteroide de comprimento entre 10 km e 20 km  no México, há 66 milhões de anos, o que provocou terremotos, tsunamis com ondas de mais de cem metros e, como sempre, a erupção dos vulcões. Os dinossauros não resistiram, para sorte dos mamíferos que se espalharam e se diversificaram.
“No estado americano do Novo México foi desenterrado o esqueleto de um mamífero que viveu há 63 milhões de anos. É provável que se trate do primata mais velho já descrito, ancestral longínquo dos que desceram das árvores nas savanas da África, há 6 milhões de anos, e começaram a andar em pé com a coluna ereta.”

E Varella conclui: “Vulcões em erupção, placas tectônicas que se chocam nas profundezas, continentes que se separam, árvores que dão frutos, um asteroide que provoca terremotos, tsunamis, incêndios e poluição ambiental astronômica. Faltasse um desses fenômenos, não haveria ninguém para contar essa história ou compor sinfonias.
São tantas e tão complexas as variáveis para explicar nossa existência que fica mais fácil atribui-la a um ser poderoso que tudo criou num passe de mágica.”
            Posso supor que haja uma certa intenção na escolha do tema pelo brilhante médico, escritor e articulista, qual seja, enaltecer os conhecimentos até aqui estabelecidos pela Ciência, na luta contra o obscurantismo. Por isso este blog reproduz as ideias por ele expressas.



Diário do Poeta





1954                                                                             Fevereiro 11

“Regressei ontem pela manhã de Itabira, aonde fora domingo passado, 7, para assistir à exumação dos ossos de Mamãe e à sua inumação junto aos ossos de Papai, em Belo Horizonte. 
... 
Sob o sol intenso, e na presença dos três filhos – Altivo, José e eu –, da nora Ita, e de alguns netos – Virgílio, Heraldo, Ofélia –, pouco a pouco a terra foi sendo removida a golpes de escavadeira, enxada, picareta e pá, com cuidado e atenção necessária para que não se extraviassem ou estragassem quaisquer despojos humanos. Alguns fragmentos de caixão foram aparecendo, e depois o contorno dele e sua tampa, não completamente, mas envolto em terra. A parte mais clara era a da madeira, enquanto outra, roxa, denunciava o forro externo de pano. O primeiro osso a aparecer foi um maxilar, que nos pareceu não pertencer ao corpo de Mamãe, pelo fato de estar fora do caixão, mas pouco depois Ofélia conseguiu articulá-lo com a caixa craniana, que estava lá dentro, e que surgiu pesada de terra, nela se distinguindo apenas as cavidades das órbitas e o círculo da garganta. Com um pedaço de madeira Altivo e depois eu o esvaziamos do conteúdo terroso. Esses e os demais ossos que iam sendo retirados eram depositados sobre uma toalha que pertencera a Mamãe e que Ita trouxera. A empregada de Ita, Carola, apareceu com água e cachaça, esta última destinada aos coveiros.
... 
Impressão: o que estava ali, roído de vermes e sujo de terra, pouco tinha a ver com minha Mãe, separado já de seu espírito, que desaparecera. Cumpríamos um dever filial e piedoso, mas não havia motivo para sofrimento; tudo estava acabado e perfeito. E se o ato assumia alguma significação, antes de alegria, pela união final dos dois corpos, ou dos restos deles, a esposa indo encontrar-se com o esposo depois da involuntária separação. Era quase festivo e triunfante esse encontro dos ossos, vencendo o tempo e a morte.”

            O texto acima, não se trata de ficção, não faz parte de nenhum conto ou crônica; ao contrário, é a descrição minuciosa de fatos reais, registrados por ninguém menos que Carlos Drummond de Andrade!
            O fragmento pertence ao volume Uma forma de saudade – Páginas de diário, organização de Pedro Augusto Graña Drummond (Companhia das Letras, 2017). Acompanham o texto imagens raras, fotografias dos antepassados, fac-símiles e poemas de Drummond. Capa e contracapa repletas de fotografias  (parcialmente ocultas pela sobrecapa, na foto acima), cercadas de discretas linhas feitas por caneta esferográfica azul, a data de cada uma escrita à mão, com a mesma caneta. Lindíssimas, autoria de Raul Loureiro.
            Não posso negar minha emoção, eu que nutro profunda admiração pelo poeta, ao ler palavras de tamanha intimidade, registradas em um diário e nunca publicadas em vida. É preciso lê-las com muito respeito.


domingo, 20 de janeiro de 2019

sábado, 19 de janeiro de 2019

Contra a posse de armas

Charge do dia


Autor: Benett

Pelé goleiro



Pelé segurando a bola na semifinal da Taça Brasil de 1963,
disputada em janeiro de 1964, no Pacaembu
Museu do Futebol/Divulgação


A reportagem é de Bruno Rodrigues para a Folha de S.Paulo (19 jan 2019): “Domingo, 19 de janeiro de 1964. O Santos vencia o Grêmio, no Pacaembu, pelo placar de 4 a 3, resultado que o colocava na final da Taça Brasil de 1963. Aos 41 minutos do segundo tempo, uma reclamação do goleiro Gylmar com o árbitro argentino Teodoro Nitti ocasionou a expulsão do arqueiro santista. Quem passou a vestir a camisa 1 do Santos a partir daí foi Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, que já havia marcado três gols na partida e, pela segunda vez na vida, se arriscava no gol para ajudar a equipe alvinegra.”
Pelé fez pelo menos uma boa defesa durante aqueles minutos decisivos, e com isso, contribuiu para a classificação para a decisão contra o Bahia; o Santos venceu e conquistou seu quarto título nacional.
Crianças, eu vi este jogo!

Jogos de Pelé como goleiro do Santos:
4/11/1959 - Santos 4 x 2 Comercial FC
19/1/1964 - Santos 4 x 3 Grêmio
14/11/1969 - Santos 3 x 0 Botafogo
19/6/1973 - Santos 4 x 0 Baltimore Bays 
            
          Este texto é endereçado àqueles que não sabiam que o maior jogador do mundo também era um bom goleiro! 



quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Armar para a Educação



“O Brasil bateu recorde de mortes violentas em 2017, com 63.880 casos. No mesmo ano, as mortes cometidas por policiais em serviço e de folga cresceram 20% na comparação com 2016. A compilação destes dados faz parte da 29ª edição do Relatório Mundial de Direitos Humanos, divulgado hoje (17) pela organização não governamental Human Rights Watch (HRW), que analisa a situação de mais de 90 países.” https://exame.abril.com.br/brasil/brasil-bate-recorde-de-mortes-violentas-em-2017/

          Com o armamento da população civil, provavelmente haverá um novo recorde. 
          Armar para a Educação (mais escolas, valorização do professor, etc) que é bom, nada.


Foto: Getty Images / Reprodução

Fragatas nas Cagarras

A foto do dia



Uma série de estudos realizados no Arquipélago das Cagarras estima que a Ilha Redonda, a cerca de 10 quilômetros da Praia de Ipanema, conta atualmente com 5 mil fragatas. Trata-se da maior concentração da ave em um ecossistema no Atlântico Sul.”

Renato Grandelle
Foto: Larissa Cunha


terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Hamlet de Karnal




Um livro, qualquer livro, que precise de outro livro para explicá-lo, para que o leitor possa compreendê-lo, isso não me parece uma boa ideia. No entanto, há livros que vamos lendo e relendo uma vida inteira, sem que cheguemos à “leitura final”. Em tais circunstâncias, qualquer informação adicional será bem-vinda.
            Estou a falar de Hamlet, de Shakespeare, e deO que apendi com Hamlet, de Leandro Karnal (LeYa, 2018).
            Karnal, homem que dispensa apresentação, afirma que “nenhum outro livro marcou tanto a minha vida e provocou tantas reflexões ao longo dos anos”. Longe, mas muito longe, de igualar-me à capacidade intelectual e erudição de Karnal, em comum temos apenas que Hamlet também é o livro da minha vida. Daí o impulso para tomar conhecimento do que Karnal aprendeu com ele e que eu não aprendi.
            As reflexões despertadas pelo livro em Karnal vão muito além do roteiro shakespeariano; há informações de toda ordem, históricas, filosóficas, detalhes da vida de Shakespeare (que teve um único filho homem, chamado Hamnet, e que morreu quando o pai escrevia a peça), da sociedade da época; até mesmo a Psicanálise, inexistente àquele tempo, presta sua contribuição através do Édipo. Destacam-se as observações sobre a melancolia e sobre a morte.
            Porém, Hamlet é um livro que fala da vida!
            O dilema central é conhecido de todos:

“Ser ou não ser, essa é que é a questão:
Será mais nobre suportar na mente
As flechadas da trágica fortuna,
Ou tomar armas contra um mar de escolhos
E, enfrentando-os, vencer? Morrer – dormir,
Nada mais; e dizer que pelo sono
Findam-se as dores, como os mil abalos
Inerentes à carne – é a conclusão
Que devemos buscar. Morrer – dormir;
Dormir, talvez sonhar – eis o problema.”

            O príncipe Hamlet de Karnal é completamente humano, livre de idealizações românticas ou religiosas. Para Karnal, o dilema shakespeariano é o dilema de todos nós:

“Diante da mazelas do mundo, é melhor tentar corrigi-las ou seguir em frente sem esperança de que algo possa ser feito? A luta é a melhor estratégia ou devo me resignar com as coisas como elas são?”

            Mais adiante Karnal complementa:

“Para mim, o monólogo é um projeto de vida e não de morte, um plano estratégico. ... Hamlet ora ignora, negocia, foge e adia decisões, ora ataca diretamente e mata. No embate de “ser ou não ser”, o príncipe “foi e não foi”. 
... Quando agir e quando calar? Não há fórmula. Se houvesse, Hamlet estaria na prateleira de autoajuda e não nos clássicos da literatura mundial.”

            Ao contrário dos livros de autoajuda, Hamlet nunca facilita a vida do leitor. São perguntas e mais perguntas, dúvidas e mais dúvidas sobre esse “mar de escolhos” que é a vida. Ainda mais: as decisões do protagonista levam a um fim trágico, à morte de quase todos aqueles que o cercam. 
            Portanto, cuidado com Hamlet! É o que aprendi com Leandro Karnal, em seu excelente livro. A vastíssima erudição do autor não cansa, não intoxica (como ocorre em algumas de suas crônicas semanais em O Estado de S. Paulo). Ao contrário, enriquece a leitura, amplia horizontes. 
            Resta-nos continuar lendo e relendo Hamlet! (E pensar que há muita gente que nunca ouviu falar na frase “Há algo de podre no reino da Dinamarca”.)


Nota n. 1, perfeitamente dispensável (os que conhecem este blogueiro sabem da admiração que ele nutre pelas belas e inteligentes capas): não é o caso do presente livro; poucas vezes vi uma capa tão feia, horrorosa mesmo.

Nota n. 2: Harold Bloom, especialista em Shakespeare, também publicou volume sobre Hamlet; o do Karnal é muito melhor.
            

Neve no Capitólio

A foto do dia


Capitólio, Washington, cercado de neve
Foto: J. Scott Applewhite / AP