O tema não poderia ser mais explorado, mais batido, já que os
acontecimentos – reais ou fictícios, não importa – datam de 1917, ocorridos
entre os meses de maio e outubro, em Portugal. Trata-se das aparições de Nossa
Senhora a três crianças, no interior do país.
Embora surrada, a história é contada quase sempre sob o ponto de vista
das crianças, a pressão que sofrem pelo descrédito da própria família, da Igreja,
da vizinhança que se remói de inveja, ao mesmo tempo que passam a ser
santificadas pelas mesmas, na expectativa de tirarem proveito, os doentes curados,
os cegos recuperarem a visão, os paralíticos voltarem a andar, numa
ambivalência que traz angústia e sofrimento a estas pobres crianças. Impossível
que um milagre daqueles pudesse ocorrer no interior de Portugal, que Nossa
Senhora apareça a três insignificantes crianças.
Tem-se ainda uma boa descrição de Portugal à época, início do século XX,
com sua rudeza, conjunto de crenças, ignorâncias.
Portanto, não é pelo assunto que José Luís Peixoto agarra o leitor em
seu último livro, que ele chama de novela, Em teu ventre (Ed. Quetzal, Lisboa, 2015).
Digo agarra porque, tendo iniciado a leitura, não se pode largar o livro de tão
bonito que é! Poesia em forma de prosa. Literatura é isso: forma. Repito.
Se não, vejamos:
“Tão fresca é esta brisa depois de um
dia inteiro, tão leve é o seu toque nas cores por fim brandas, desnecessária a
urgência por fim. Esta brisa atravessa o ar limpo, faz tremer as folhas
prateadas das oliveiras, acende pontos de brilho no granito e passa pelas faces
suaves de Lúcia. Está agachada perante uma sombra de terra limpa, quase
arrumada ao muro breve do quintal. Há galinhas que se habituaram à presença da
menina, aos seus movimentos repetidos. Lúcia joga com pedras. Esses gestos
súbitos não perturbam as galinhas, que debicam torrões de terra e se queixam
umas às outras com vogais que arredondam na garganta.”
Em tempo, o livro ainda não foi
editado no Brasil.