terça-feira, 24 de abril de 2018

Mais um caso de Suzete


Querido André,

faz tempo que não escrevo, bem sei, mas vou logo avisando que só escrevo quando tenho vontade (ou necessidade?), não adianta você dizer que os leitores do seu blog reclamam da minha ausência pois nem acredito nisso, você deseja apenas me agradar, e disso eu gosto.
            Peguei dengue. Em parte, este o motivo do meu silêncio. Doencinha filha da puta, só dizendo assim, acaba com a vida de gente. Pior é a dor no corpo, como quem passou por uma máquina de moer carne. Exagero? Não desejo pra ninguém. Estou recuperada, volto a escrever para lhe contar um novo caso.
            Aconteceu no salão, só podia ser! Assim que o rapaz entrou todo mundo parou de respirar, a boca aberta, olhos esbugalhados, ameaça de vertigem, o que Nelson Rodrigues chamaria de frissonentre colegas, freguesas, a dona do salão. Lindo lindo lindo o moço!
            Sapato preto de verniz, calça jeans justa, camisa azul claro com dois botões abertos mostrando o peito, paletó Armani, e uma cabeleira negra de fazer inveja a Castro Alves (só eu mesma para fazer uma comparação dessas...). Aí então é que pude reparar em outros detalhes, no nariz grego, a testa alta, olhos verdemar, boca carnuda, queixo de boxeador, pele queimada de sol, e ar de cafajeste. Verdadeiro artista de cinema, André. Ah!, o perfume Prada que inundou o salão.
            Sei que misturo descrição física com o caráter do homem. Não me importo: cafajeste à primeira vista, sem chance de errar. Até no jeito de andar. E caminhou em direção à dona do salão, dizendo que precisava cortar o cabelo. Nem preciso dizer a quem foi endereçado, só eu corto cabelo de homem no salão.
            Boa tarde, Boa tarde. Sentou-se. Apenas apare as pontas, por favor. Pois não.
            Aparei as pontas bem devagar, fio por fio, como se os cortasse com tesourinha de unha – como os ingleses aparam seus gramados de quatrocentos anos, dizem, que eu mesma nunca fui à Inglaterra. A cada fio que cortava, me afastava um pouco, avaliava o resultado como quem estuda uma obra de arte. Tomei tempo, inebriada por aquele perfume, sob os olhares invejosos das colegas. 
            Tentei puxar o assunto de sempre. Gosta de ler? Não.
            Aquele “não” doeu, viu. Tentei novamente. Gosta de cinema? Também não.
            Achei melhor permanecer em silêncio do que perguntar Então do que você gosta?, com medo de receber um De nada.
            Demorou, mas terminei. Mostrei-lhe o resultado com o tradicional espelho posicionado na nuca do freguês. Está ótimo. Antes assim, pensei.
            Levantou-se, dirigiu-se à mesa da chefe, perguntou se podia pagar com cheque, claro que podia. Ao sair, passou por mim e disse Sua gorjeta está incluída no cheque. Obrigada.
            Dois dias depois o cheque foi devolvido. Cafajeste.
            
            Da sempre sua
                                                Suzete.