O
caderno “Cotidiano” da Folha de S. Paulo deste domingo (19/7) traz duas
matérias aparentemente antagônicas, que chamaram minha atenção por razões que
explicitarei mais à frente.
Na primeira delas, a notícia do fim
do ensino da letra cursiva no ensino fundamental na Finlândia. A repórter
Patrícia Pereira reproduz as ideias de uma diretora de escola de Helsinque:
“...o ensino da letra de mão demanda muito tempo e causa frustração nos alunos.
Queremos incentivar a escrita criativa, e que a criança não se preocupe tanto
com a técnica, mas com o conteúdo.” A caligrafia será substituída por aulas de
computação a partir do próximo ano.
A segunda matéria, de Estêvão
Bertoni, com o sugestivo título “à mão”, informa que em São Paulo, “na
contramãletra de mãoo da tecnologia, calígrafos dão toque vintage a cartazes,
tatuagens e até cartas de amor.” Andréa trocou a pedagogia pela caligrafia e
afirma que “existe uma paixão na moçada de hoje, principalmente em designers
gráficos e publicitários, de fazer a letra, de descobrir esse prazer de
escrever e de usar instrumentos e tintas diferentes. A caligrafia é
extremamente relaxante. Você pode dar novas roupagens às letras, criar uma
fonte, digitalizá-la e disponibilizá-la mundialmente.” (Olha o computador
aí...) Segundo
Beatriz Modolin, analista de tendências, “há um sentimento de nostalgia do
tempo em que não havia tantas telas nos rodeando”.
Será
possível cotejar as experiências da Finlândia e de São Paulo, terras tão
distantes, culturas tão diferentes? Penso que sim, no mundo globalizado em que
vivemos. Será que a vez dos calígrafos finlandeses há de chegar? Os
computadores ou tablets chegarão algum dias para todos os alunos de nossas
escolas públicas?
Não
tenho respostas para estas e tantas outras questões cabíveis. (Apenas fico
pensando nos extensos manuscritos de Leonardo da Vinci, Machado de Assis,
Sigmund Freud e Manoel de Barros, para os quais nunca faltou criatividade...)
Passo
a relatar duas experiências pessoais que me são gratas, ligadas ao tema, e que
justificam minha opinião sobre o mesmo. Há mais de 30 anos, numa condição de
penoso isolamento, distante de meu país, submetido a intenso, permanente e
prolongado stress, o que ajudava a suportar o cotidiano era o ato de escrever
cartas à mão. À noite, deixava por alguns instantes o computador (novidade na
época) para escrever a meus pais, meu irmão, a alguns amigos que dispunham de
paciência para responder minhas cartas (entre eles, meu amigo até hoje, Dr.
Paulo Gonçalves de Oliveira). O exercício foi aprimorado com a aquisição de um
conjunto de penas de metal, adaptáveis a uma haste de madeira, compondo uma
caneta que era periodicamente molhada num tinteiro, o que retardava
tremendamente a escrita. Mas era exatamente este o objetivo primordial! Já
naquela época a técnica estava fora de moda, porém seu efeito relaxante, para
usar a expressão da Andréa, era indiscutível!
A
segunda vivência marcante com a letra de mão data da minha infância. Eu e meu
irmão nutríamos enorme admiração, verdadeiro fascínio, diante da assinatura de
meu pai. Criança, eu ainda não tinha palavras para defini-la; hoje posso
afirmar que se tratava de uma manifestação artística. Não havia letras
reconhecíveis, muito menos correspondentes ao nome do autor. Era um rabisco com
traços fortes, firmes, uma sucessão de 9 us – ou de enes – cujo único
significado era a marca pessoal de meu pai.
Ele
já era um homem velho quando pedi que escrevesse meu nome numa folha de papel.
Escaneei-o (a letra já tremia) e compus meu cartão de apresentação, no tempo em
que eu ainda usava essas coisas. Sempre que o entregava a alguém havia a reação
de admiração, Que letra linda!, Que cartão bonito! Com enorme prazer eu
explicava que aquela era a letra de meu pai.
Só
agora, ao escrever esta crônica, percebo que trago em minha assinatura certos traços,
nítida influência da assinatura de meu pai. Apenas por este fato, sou forçado a
defender o ensino da caligrafia no ensino fundamental de nossas escolas. A
Finlândia, às favas...