A escritora
portuguesa Ana Teresa Pereira - Foto Divulgação
O título do artigo de O Globo é chamativo: Quem é Ana Teresa Pereira, vencedora do prêmio Oceanos pelo romance
'Karen', de autoria de Liv Brandão (29/11/2017).
Afirma Brandão: “Ela
concorria ao Prêmio Oceanos com nomes como Silviano Santiago e Verônica
Stigger, vencedores do Jabuti deste ano, e com Elvira Vigna, aclamada escritora
morta em setembro passado, e surpreendeu a todos. Desconhecida no Brasil, onde
ainda não tem nenhuma obra publicada, a portuguesa Ana Teresa Pereira venceu o prêmio máximo, no valor de R$ 100 mil, por seu último
romance, “Karen”, tornando-se a primeira mulher a fazê-lo nos 15 anos de
história da premiação. Após publicar mais de 20 de livros em seu país natal e
de ser traduzida para o inglês, francês, alemão, italiano e eslovaco, entre
outros idiomas, Ana Teresa marcará sua estreia nas prateleiras brasileiras com
“Karen”, a ser lançado no primeiro semestre de 2018, pela novata editora
Todavia.”
Convenhamos que
tal apresentação é de dar água na boca e coceira nos olhos e muita vontade de
ler a moça nascida no Funchal, capital da Ilha da Madeira, em 1958. Parece que
ela é reclusa, sai pouco de sua cidade.
Informa ainda
Brandão: “Apreciador da obra de Ana Teresa e curador do Oceanos, o crítico
literário António Guerreiro aponta que sua literatura é mais próxima do estilo
anglo-saxônico, e que a escritora tem predileção pela linguagem
cinematográfica. Sendo assim, sua produção não dialoga com o restante da ficção
portuguesa contemporânea.”
A autora concorda
com a avaliação de Guerreiro ao apontar as influências em “Karen”. Diz ela: “Em
primeiro lugar, Henry James: temos só um ponto de vista, o da narradora, e
nunca sabemos mais do que ela; “Rebecca”, de Daphne du Maurier: inspirou o
título e a opção de nunca dizer o nome da narradora; e os policiais clássicos:
o livro tem a estrutura de um policial, pensei nele muitas vezes como um
“policial abstracto” — enumera Ana Teresa, que ainda cita os brasileiros Manoel
de Barros e Manuel Bandeira como influências, além do português Fernando
Pessoa.”
Diz ainda Ana
Teresa: “Karen” é especial para mim. Em todos os meus livros tenho tentado
aproximar-me do sentido metafísico da palavra, é esse o meu trabalho. Em
“Karen” senti que estava muito próxima.”
Guerreiro conclui:
“Na obra de Ana Teresa, nunca reconhecemos o mundo imediatamente, as
referências não nos são dadas. Não há representações ideológicas ou políticas
imediatas ou óbvias. Ela faz todo um jogo literário com um mundo mais ou menos
fantástico. Personagens que não sabemos de onde vêm e para onde vão, as
motivações que têm. Trata-se de representá-los como figuras de ficção
cinematográfica e da pintura.”
Os pouquíssimos leitores deste blog me perdoem a longa
apresentação transcrita de O Globo. Só
há uma justificativa para tal: desejo afirmar que minha avaliação do livro deve
estar completamente equivocada, depois de tantos elogios.
Mesmo assim, registro minha opinião: não gostei de Karen, o novo romance de Ana Teresa
Pereira.
Voltemos à crítica do tal Guerreiro: “Ela faz todo um
jogo literário com um mundo mais ou menos fantástico. Personagens que não
sabemos de onde vêm e para onde vão, as motivações que têm.” Pois é, isso
mesmo, não sabemos de onde vêm nem para onde vão, não sabemos nada, perdidos numa
ficção “mais ou menos fantástica”. (O que é isso, “mais ou menos fantástica”?)
A escrita não dialoga com a ficção portuguesa contemporânea: uma pena! Trata-se
de um policial abstrato! Meu deus!
Eis pequeno trecho do livro:
“As folhas da
árvore murmuravam. Sempre tentei sentir a música das coisas. A luz dos
candeeiros numa rua de noite, as flores a despontarem num parque, o sol a
entrar pelo vitral de uma igreja. As minhas recordações de infância não eram
muito claras, os meus pais e a nossa casa, o jardim das traseiras onde passava
um ribeiro. Recordações doces, os livros que o meu pai trazia de Londres, aonde
ia todos os dias trabalhar, os pãezinhos quentes quando chegava da escola a meio
da tarde. Uma escola dos arredores, a dez minutos de casa, só quando estava a
chover apanhava o autocarro para regressar. Os gatos, lembrava-me dos gatos, as
ninhadas e o gatinho que era meu, era sempre o mesmo, um tigre pequenino que
crescia e vivia alguns anos, e que voltava, que voltava sempre.”
Eu devo estar enganado; melhor, eu certamente estou
enganado; quem sou eu para criticar uma reclusa do Funchal? O leitor faça seu
julgamento.
Num aspecto não tenho medo de errar: Karen, editado pela Todavia (São Paulo), tem uma das capas mais
feias que já vi.