Antigamente a coisa era pior. Os ateus eram chamados de
hereges e queimados em fogueiras erigidas em praça pública, para servir de
exemplo, vestidos de roupa listrada de cinza, a cor do demônio, eles mesmos
filhos do tinhoso!
Mais recentemente, o bulling
abrandou: quando alguém se diz ateu, o outro logo pergunta, “Ateu graças a
Deus?”
Até que chegamos à delicada interjeição “Ô vontade de
acreditar...”. Admito que haja razões para
que meu precioso leitor faça tais e tais afirmações, “Como deve ser duro
descrer...”.
Vamos às razões.
É possível
que minha Pequena Crônica tenha despertado no leitor algum sentimento de
piedade (inconsciente?), mas não estou certo disso. Ele, o blogueiro, tem
vontade de acreditar, mas não pode ou não consegue, coitado, e fica martelando
na mesma tecla vida-a-fora, como que para convencer-se a si mesmo de sua
condição de descrente.
De fato, com
elevada frequência este blogueiro trata de religião, de Deus e de deus, a ponto
de dividir a humanidade entre os que creem e os que não creem. Em época
natalina, ele tem o prato cheio.
Mas podemos
inverter a (pertinente) questão que meu leitor apresenta. Por que será que os
que creem têm dificuldade em acreditar que é possível descrer com certo
conforto? Assinalo com certo conforto pois
admito que, em se tratando de conforto, consolo, desafogo, desopressão,
bonança, repouso, refrigério, mitigação, amparo, vantagem, mercê, proteção,
colheita, vindima, sumum bonun, nada
melhor do que crer.
E como
estamos todos vivendo ainda a infância da humanidade – inclusive os ateus –
somos todos precisados vez por outra de um colinho.
Há uma razão
mais forte, no entanto, para que este blogueiro volte ao tema em seus escritos.
(Longe de mim comparar-me ao mestre, porém o mesmo acontecia com José Saramago,
que embora ateu, escreveu O evangelho segundo Jesus Cristo, In nomine dei, A segunda vida de
Francisco de Assis, e outros tantos congêneres, pois não perdia uma
oportunidade para voltar ao assunto, o ilustre português.)
A razão é a
fortíssima percepção que tenho de que crer
ou não crer são condições que interferem diretamente e de forma decisiva em
nosso modo de ser e de viver não apenas nossa vida como indivíduos, mas nossa
vida em sociedade. Questões difíceis como o direito ao aborto, à eutanásia, ao
suicídio assistido, sofrem influência tão determinante das proibições religiosas,
que não podem ser pensadas livremente pelos que creem. A atuação da chamada
bancada evangélica no Congresso Nacional decide sempre em função dos
mandamentos religiosos, e não do que é necessariamente melhor para o povo
brasileiro. Decide, sem precisar pensar.
Portanto,
não é duro descrer. Ao contrário, é condição que propicia liberdade para
pensar, sem dogmas, sem pecado, sem o milenar dilema certo ou errado. E isso traz conforto. (O que não exclui, às vezes,
necessidade de colo...)
Para
terminar (eu não pretendia uma resposta tão longa e complicada e séria), destaco
que a liberdade a que me refiro passa longe da irresponsabilidade, do
tudo-pode, do vale-tudo. A Ética é
capaz de indicar o bom caminho.
Com carinho,
ao meu precioso leitor!