Em uma das
primeiras cenas do filme Amor, do diretor alemão Michael Haneke, ao chegar em
casa, de um concerto do pianista Alexandre Tharaud, ex-discípulo da antiga
professora de piano, o casal de velhos encontra a porta do apartamento arrombada.
A mulher interroga-se, Quem teria feito isso?, o que poderiam desejar em nossa
casa? E o marido responde, Não faço a menor ideia. Não há explicação plausível
para o infausto acontecimento. A partir desta belíssima metáfora o diretor
conta a sua história.
Crianças,
moços, velhos, homens e mulheres, estamos todos sujeitos a infortúnios dessa
natureza. Nossas vidas transcorrem dentro de relativa tranquilidade, permeadas pelos
inevitáveis pequenos sobressaltos e frustrações do cotidiano, até que num determinado
momento – perdoem o lugar comum, Um Belo Dia – a porta da frente é arrombada. A
partir de então, a vida jamais será a mesma, para o bem ou para o mal.
Às vezes é
uma doença grave que chega sem aviso prévio, a morte que subitamente se
apresenta, inexorável. (Um amigo médico, ao ouvir do colega cardiologista que
estava tendo um infarto, exclamou, Como diz a Maysa, meu mundo caiu!) O que se
pode fazer então é viver o que nos resta da vida, o que assim mesmo pode
significar uma grande experiência. Para os pais, a notícia de uma grave doença
em um filho pode acarretar a mesma sensação devastadora.
Outras
vezes é um grande amor que se vai, e o mundo parece que vai se acabar. A gente
quer morrer. A sensação de desamparo é aquela do bebê que ao acordar não vê a
mãe por perto e não tem dúvida de que o mundo vai mesmo acabar.
Para
alguns, os materialmente muito abastados, possuidores de grandes fortunas, a
bancarrota parece produzir este mesmo efeito de fim-de-mundo. O chefe de
família não raro comete suicídio. A depressão grave pode ser a escolha para
outro membro da família que não se conforma com a dramática mudança no estilo
de vida.
A perda do
emprego, depois de toda uma vida de dedicação ao trabalho, acompanhada da falta
de perspectiva de se encontrar uma nova ocupação, pela idade mais avançada, por
exemplo, pode arrasar a vida daqueles menos abastados.
Enfim,
estamos falando de transformações súbitas, intensas, catastróficas mesmo, na
vida das pessoas, e podemos interrogar sobre o que haveria de comum em tais situações.
O relato das pessoas que vivenciam experiências como as aqui citadas nos dá a
resposta: Eu já sabia que isso poderia acontecer a qualquer um, mas nunca me
ocorreu que pudesse acontecer comigo!
Não cabe
nesta pequena crônica discutir as razões que determinam tal comportamento do
ser humano. Basta compreender e aceitar que é muito humano... Mas será que
podemos aprender algo com a metáfora com que Michael Haneke abre seu magnífico filme?
Com o fato de que a qualquer momento podemos ter nossa porta da frente
arrombada?