Perdeu-se o hábito de escrever cartas. Uma pena! O
Louco, no entanto, continua aumentando sua coletânea de literatura epistolar,
missivas de Carlos Drummond de Andrade a Mário de Andrade, de Lou Andreas
Salomé a Freud, de Freud a Fliess, de Anna a Freud, de Winnicott a todos os
seus interlocutores, de Mário de Andrade a Tarsila do Amaral, de Rilke para um
jovem poeta, de Calligaris a um jovem terapeuta, de van Gogh a Théo, a Carta ao
pai de Kafka, de tanta gente para todo mundo. Que inveja, meu deus, eu que não
recebo cartas!
Mas acabo de ganhar de meu amigo Humberto, Fernando Pessoa & Ofélia Queiroz –
Correspondência amorosa completa
(1919 – 1935), organização de Richard Zenith, Ed. Capivara (2013), um
belíssimo calhamaço de mais de 500 páginas. Aquele que me presenteia sempre diz
que gosto de fofoca! Mas não é bem isso. Trata-se de conhecer a intimidade de
pessoas que se amam, amantes, amigos, não importa a relação, desde que haja
intimidade, que se deixa transparecer sob uma maneira muito particular, em
forma de cartas. Literatura intimista, portanto.
Mas também há um certo tipo de fofoca, confessa
apenas nesse tipo de escrita, deliciosa, ingênua, feita às escondidas, para
nunca ser publicada. Vejamos o que Pessoa escreveu à Ofélia, em 28 de maio de
1920:
“Meu Bebé pequenino,
minha Nininha:
Acabo agora mesmo de
receber e de ler a tua carta de ontem. Apoquentou-me muito, por tua causa, o
que me contas, e que eu já esperava que sucedesse, não só por o que tu mesma me
tinhas contado, como também por ontem o Osório me ter dito que o rapaz estivera
ontem mesmo de manhã no escritório da Rua Assunção. O rapaz foi lá a título de
perguntar por mim, e, como eu não estava, fez ao Osório várias perguntas, se eu
te namorava, etc., e disse-lhe que me tinha visto contigo, etc., etc.
Naturalmente, se me
queria falar, era para qualquer coisa da tal intriga que tu me contaste que ele
dizia que faria com coisas que iria contar a qualquer novo namorado teu. Ou, o
que é mais provável ainda, foi lá ao escritório sabendo já que eu lá não estava,
para, a título de perguntar por mim, fazer ao Osório as tais perguntas.
Seja como for, por
mim o assunto não me interessa, e muito menos o rapaz. ...”
Mesmo os amantes e
conhecedores de Pessoa já tinham lido coisa parecida? Uma cena de ciúme! Do grande
Fernando Pessoa! Do ressentido Fernando Pessoa, que termina dizendo que o
assunto não lhe interessa...
No mesmo dia 28, Ofélia
respondeu:
“Nininho adorado:
Porque não passaste
na minha rua às 71/2 para eu te ver? Já tenho tantas saudades do meu Nininho!
Eu esperei por ti à janela e depois fui jantar. Nem escreveste hoje. Escreve
amanhã sim? E responde-me a tudo da minha carta. Por enquanto não há novidade
nenhuma, meu pai ainda não me falou em coisa alguma. Eu tenho andado mais
triste, mais ralada! E com tantas saudades do meu amorzinho, do meu Ibizinho!”
Nininha desconversa.
Não é uma delícia!?