Eu que ao longo dos
anos lhe cantei canções,
Parto
A haste rompeu-se
A jovem planta de ébano afunda no pântano.
Esses ventos ululam com sementes.
Hão de espalhá-las sobre o espaço aberto
Onde chuvas darão nascença a selvas.
Creio no grande dia
Que fará nossos caminhos se encontrarem:
Hei de acordar, pois, do deserto
Vendo você se aproximar com alguidares cheios d’água.
Sentaremos ao local do velho homem
Desatando os nós pela extensão da tarde,
Na fertilidade da figueira,
Na amplidão do salgueiro,
Nas savanas do antílope fugaz.
Mazisi Kunene
(poeta sul-africano, 1930-2006)
Tradução de Adriano Moraes Migliavacca
O poema acima encontra-se no
belo artigo de Adriano Moraes Migliavacca, O
triunfo do pensamento: sobre a lírica de Mazisi Kunene, publicado no Estado da Arte, Estadão (16 Dez 2017).
Migliavacca
acrescenta interpretação do poema de forma igualmente poética:
“O poema aborda a questão da passagem e da irrecuperabilidade do tempo.
Há, portanto, a presença de noções de mortalidade, de tempo e de espaço, mas
essas noções são apresentadas por imagens bastante concretas com uma
simplicidade que agrega a essa concretude. A noção de tempo não é abstrata, ela
se concretiza no ciclo da figueira, nos ventos que carregam as sementes da
renovação das florestas, no mover-se do antílope pela savana. Da mesma forma, a
noção de espaço se torna sólida e presente na amplidão do salgueiro, nas
extensões da savana. O espaço surge dos próprios locais enquanto que o tempo
surge dos fatos.”