Gosto
do jeito de escrever da Ruth Manus, cronista aos domingos em O Estado de
S.Paulo. Ela fala da vida cotidiana, de coisas simples, até com certa intimidade
– seus familiares frequentemente visitam a crônica – e sempre de bom humor.
O
texto de hoje intitula-se As pessoas e
seus livros (25 Fev 2018), e trata de assunto que este blogueiro venera, o livro.
Ruth
relata episódio vivido com o próprio pai, provavelmente um austero professor:
“Ele
se aproximou lentamente, como quem estica o pescoço assustado para observar uma
vítima de acidente ou um animal selvagem, e me perguntou o que eu estava
fazendo. “Estudando”, eu respondi, um pouco desconcertada com a existência de
dúvida perante uma cena tão autoexplicativa. Então ele disse aos solavancos com
os olhos arregalados “VO. CÊ. ES. TÁ. GRI. FAN. DO. O. LI. VRO. COM. CA. NE.
TA?”. Eu, cada vez mais desnorteada, respondi que sim, estava grifando com
marca texto laranja e fazendo anotações com a caneta azul, afinal, o livro era
meu, não era da biblioteca. Certo?”
Esta era a deixa que eu precisava
para falar de minhas idiossincrasias livrescas, a começar por esta de marcar
frases com caneta. QUE HORROR! Isso não se faz, Ruth! Para isso existem os
lápis – um dois três seis nove é sempre lápis. Eu grifo a linha, se é todo um
parágrafo faço uma “chave” para destacá-lo, vou à primeira página do volume (que
geralmente traz apenas o nome do livro) e assinalo o início do texto e a
respectiva página; assim, torna-se fácil re-encontrá-lo.
Tive um amigo (é sempre triste para
mim escrever estas três palavrinhas) que, prevendo anotações abundantes, como
as que fazemos num livro sobre Filosofia, comprava logo dois volumes da mesma
obra; a um deles, o que receberia anotações, dava o nome de Volume de Trabalho.
Eu achava aquilo muito bonito...
Com este mesmo amigo aprendi que,
quando alguém me pede um livro emprestado, vou logo dizendo Pode ficar com ele,
O livro é seu, É um presente meu, para poucos dias depois ir à livraria e
comprar um volume novinho em folha (bem apropriada esta expressão!) só para mim.
A tia da Ruth compra o livro, lê e
doa, e ela acha aquilo a coisa mais linda do mundo, mas não é capaz de fazê-lo.
NEM EU. Ao contrário, tenho o hábito de comprar determinado livro, levá-lo para
casa com carinho, colocá-lo na estante, até que surja o dia em que me lembro
dele pela mais variada razão, às vezes uma citação em um livro qualquer; então
vou à estante com prazer indizível – EU TENHO ESTE LIVRO – e inicio sua
leitura.
Durante muitos anos namorei os Sermões do padre António Vieira, em 5
volumes de capa dura azul escuro, letras douradas na lombada, da Lello &
Irmãos Editores, Porto, Portugal, sem que pudesse adquiri-los por serem
caríssimos. Mas o dia da extravagância chegou! (Acontece que eu já possuía uma boa
edição dos Sermões, brochura
comentada por gente competente, mas aquela coleção da Lello... Há quem chame
isso de neurose. Eu chamo de neurose boa.)
Como Ruth, também tenho horror do péssimo hábito de dobrar a pontinha da página para marcar a interrupção
da leitura. Aquela marca torna-se indelével, verdadeira
cicatriz (dolorida) no papel. Do mesmo modo, não tolero marcar esta interrupção
com a orelha do livro, que passa a deformar-se, perdendo o vinco ou dobradura natural.
Pior mesmo, verdadeiro CRIME, o mais
grave de todos, é dobrar o livro, para segurá-lo com uma das mãos. Trata-se de
grosseria imperdoável, coisa de quem não merece o nome de leitor. (Se o volume
não é costurado, ele vai se desmanchar com a primeira dobrada.)
Ah!, falta dizer que adoro apreciar as
capas! Há as belíssimas e as horrorosas. Como já produzi 4 delas, publicadas,
considero-me imodestamente um capista! Trata-se de uma arte. Nos primórdios, as
capas não traziam figuras, desenhos, imagens; apresentavam-se lisas, brancas ou
amareladas, contendo apenas o título do livro, o autor e a editora. No máximo,
uma vinheta. Então surgiram as capas ilustradas, coloridas, chamariz para futuros
leitores.
Eu podia passar o domingo falando de
livros, mas há um belo sol lá fora: vou levar
comigo um livrinho...