Cristiano Ronaldo
bate o pênalti contra o PSG / AFP
O futebol
tem momentos sagrados. O drible é um deles, capaz de extrair da torcida o grito
que é misto de surpresa, alegria e sadismo, diante da humilhação sofrida pelo
adversário. O lançamento da intermediária no peito do atacante, já próximo da
grande área, o chamado meio-gol, é outro fenômeno a desafiar as leis da física
e das probabilidades, cada vez mais raro em nosso futebol. A defesa impossível
efetuada pelo goleiro, motivo de aplausos de uns e frustração de outros, pelo
gol não marcado, entra para a história do futebol e passa a ser reproduzida
incansavelmente, como se fosse um milagre. O beque que salva o gol na risca,
batido o goleiro, é mais um desses momentos sagrados. Há outros.
Nada se
compara, no entanto, ao momento do gol. Pode ser bonito ou feio, de canela ou de mão, de barriga ou de peito,
não importa, é bola na rede, para delírio da torcida! Os mais bonitos, como os
de bicicleta, entram para a história.
Há, porém,
um evento que fica entre os primeiros aqui assinalados e o momento do gol.
Trata-se do pênalti! Alguém já disse que, de tão importante, deveria ser
cobrado pelo presidente do clube.
Seja
durante a partida, seja em decisão porque o jogo terminou empatado, o pênalti
provoca o maior suspense do futebol, moças roendo unhas, torcedor cobrindo a
cabeça, gente virando as costas para o campo, espectador televisivo deixando a
sala, terço na mão, imagem de santo sendo beijada, os dedos em figa. Infartos
do miocárdio acontecem.
Quando
surgiu a “paradinha” – acho que inventada pelo nosso Pelé, mas não estou certo
disso – foi a maior gritaria, vale, não vale, os pobres goleiros feitos
palhaços desarvorados sem saber para que lado saltar, outro momento de delírio
para o time marcador.
Mais
recentemente surgiu a “cavadinha”, a bola tocada por baixo, devagar, encobrindo
o goleiro de forma quase que vergonhosa, o cúmulo da humilhação, morrendo tranquila
no fundo da rede. Quando o tiro sai pela culatra, o batedor leva a maior vaia.
Bem, vamos
ao motivo da crônica: o pênalti batido ontem (14 fev 2018) por Cristiano
Ronaldo, do Real Madrid, contra o Paris Saint-Germain. Final do primeiro tempo,
o Real perdendo de 1 a 0, bola na marca, todos a postos, Cristiano toma pouca
distância, corre e desfecha uma bomba, o goleiro pula célere no canto certo,
mas não alcança a pelota, tamanha a violência do chute. Defesa impossível.
O telespectador
permanece atônito: que chute foi aquele? A bola foi arremessada a meia altura!
Com a força aplicada, o mais provável era que a bola se perdesse na
arquibancada, o que não é raro nesse tipo de cobrança. Ou então rolasse
rasteira, entrando no cantinho, rente à trave, também sem chance de defesa,
porém com menor velocidade, freada pelo gramado.
Mas não, a
bola foi para o gol à meia altura, verdadeiro bólido, inexplicavelmente.
No
intervalo, com o vídeotape repetido ad
nausean, veio a elucidação do fenômeno. Ao calcar o pé de apoio no chão junto
ao lado esquerdo da bola, esta levantou por alguns mimímetros, talvez centímetros,
algo imperceptível a olho nu, o suficiente para o artilheiro pegar o chute na
cara da bola, com violência inaudita!
Lance
absolutamente legal, pois o atacante não toca na bola antes do chute mortal. O
truque não aconteceu por acaso, garante é o ex-zagueiro inglês Rio Ferdinand, companheiro
do craque português no Manchester United, hoje comentarista de uma TV inglesa. “Cristiano
Ronaldo repetia o lance durante os treinos”, afirmou ele.
Pouco
importa o resultado final do jogo. Os deuses do futebol acordaram hoje mais
alegres, com a criação de mais um momento sagrado. E nós também, amantes do
futebol.