Carta sobre
Primeiro caderno do aluno de poesia Oswald de Andrade
(Belo Horizonte, 1928)
“Oswald
É muito provável que V. não tenha reparado no meu silêncio
sobre o Primeiro caderno de poesia.
Silêncio de indivíduo pouco sério epistolarmente falando, mas que não significa
nem pouco caso nem quebra daquela velha admiração bocó que eu, mesmo sem
querer, dedico a V. Pelo contrário, esse Primeiro
caderno me fez ficar cada vez mais incondicionalmente seu admirador. Não é
para me gabar, mas eu gosto um horror de sua poesia. V. ocupa um lugar tão
diferente dos outros lugares no modernismo brasileiro, que estar com V. é ter a
sensação de estar sozinho. Antes só do que mal acompanhado se bem que estar mal
acompanhado também é gostoso.
Não
gostei por igual de seus poemas, porque de alguns eu gostei mais. A saber, “adolescência”,
velhice”, “meus sete anos”, “o filho da comadre esperança”, “poema de fraque”.
Acho que V. foi o mais longe possível nesses versos. Chegou a uma simplicidade
simples por demais. É verdade que se der ainda um passo à frente... cuidado!
Era uma vez um aluno de poesia.
Mas V. é
muito esperto e não precisa que eu lhe diga essas coisas.
Comprei e
não li A estrela do absinto. É
horrível em 1928, e dou-lhe os meus pêsames mais sinceros.
Recomenda-me
a d. Tarsila, e queira bem ao seu de verdade
Carlos
Rua Silva Jardim, 117.
Vai junto um poeminha para V. ler.”
***
O texto
foi retirado do livro Poesias Reunidas, de Oswald de Andrade (Companhia das
Letras, 2017, p. 235), motivo de recente post neste blog. http://loucoporcachorros.blogspot.com.br/2017/02/o-poeta-oswald.html
Não é mesmo uma delícia esta
cartinha!!! A delicadeza de Drummond emociona a gente; destaco alguns exemplos:
a) “É muito provável que V. não tenha reparado no meu
silêncio”: com humildade, o poeta reafirma sua desimportância...
b) “Não é para me gabar, mas eu gosto um horror de sua
poesia”: gostar um horror é gíria da época, significa gostar muitíssimo; ainda
aqui, o poeta, humilíssimo, não se gaba (não merece) nem mesmo de gostar da
poesia de Oswald...
c) “Não gostei por igual de seus poemas, porque de alguns
eu gostei mais”: Drummond não fala dos que possivelmente não gostou, refere-se
apenas aos que gostou mais...
d) “Acho que V. foi o mais longe possível nesses versos.” “É
verdade que se der ainda um passo à frente... cuidado! Era uma vez um aluno de
poesia”: delicadeza maior, impossível! Que cuidado para não ferir o amigo, com
o conselho de quem conhece poesia! Cuidado, Oswald! E acho – agora fica fácil
de julgar – que Drummond tinha razão...
e) “Recomenda-me a d. Tarsila”: pena que isso não exista
mais...
Os poemas
“adolescência” e “velhice” já tinham sido reproduzidos aqui, no post citado
acima. Os demais, a gosto de Drummond, reproduzo agora:
meus sete anos
Papai vinha de tarde
Da faina de labutar
Eu esperava na calçada
Papai era gerente
Do Banco Popular
Eu aprendia com ele
Os nomes dos negócios
Juros hipotecas
Prazo amortização
Papai era gerente
Do Banco Popular
Mas descontava cheques
No guichê do coração
o filho da comadre
esperança
Era o deserdado
Tinha uma história de envenenamento
No passado
Magro pálido trabalhador
Mas agora à força de lutar
Conseguiu uma posição na Bolsa de Mercadorias
E comprou um chapéu novo
poema de fraque
No termômetro azul
Da cidade comovida
Faze as pazes
Com a vida
Saúda respeitosamente
As famílias
Das janelas
Um balão vivo
Se destaca
Das primeiras estrelas
Lamparina às avessas
Do santuário da terra
Faze a pazes
As crianças brincam
Preciso
encontrar agora a resposta de Oswald de Andrade a Carlos Drummond de Andrade,
dois grandes poetas!
Foto: página 113 do referido volume.