À primeira vista,
apenas os notáveis deveriam publicar autobiografias, gente que, de fato, tem o
que dizer, registrar, revelar, tornar público, considerando a vida que levam, os
atos que praticam, e geralmente o fazem ao final da vida. A realidade, no
entanto, não tem sido esta: as livrarias estão abarrotadas de autobiografias de
pessoas de alguma notoriedade, porém “desimportantes”, digamos assim, e que
estão longe do fim da vida, provavelmente. Afora o compreensível e legítimo
desejo de ganhar dinheiro, o que buscam tais indivíduos ao exporem suas
intimidades? A fama perene? O reconhecimento público? Ou trata-se mesmo tão
somente de uma jogada comercial?
Todo homem tem sua
importância, e, em princípio, tem uma história a ser contada, a história de sua
própria vida. E se o homem comum é capaz de contar com engenho e arte a sua
história, então podemos pensar que aí reside a origem do Romance. A partir
desta ideia, surge a interrogação, desprovida de qualquer ranço de pedante
exibicionismo: todos temos direito a uma autobiografia?
Encontro no último
livro de Zygmunt Bauman, Isto não é um diário (Zahar, 2012), a
interessantíssima pergunta (a diferença entre filósofos e não filósofos é que
os primeiros sabem fazer perguntas!): “Qual é, afinal, a diferença entre viver
e contar a vida?” E, em seguida, Bauman cita José Saramago, ao qual rende
homenagens por ter se tornado fonte de inspiração recente: “Creio que todas as
palavras que vamos pronunciando, todos os movimentos e gestos, concluídos ou somente
esboçados, que vamos fazendo, cada um deles e todos juntos, podem ser
entendidos como peças soltas de uma autobiografia não intencional que, embora
involuntária, ou por isso mesmo, não seria menos sincera e veraz que o mais
minucioso dos relatos de uma vida passada à escrita e ao papel.”
Portanto, todo homem
tem sua autobiografia não intencional, e se a registra em livro ou não, esta é
uma outra questão a ser colocada a partir de motivações de ordem pessoal. Queiramos
ou não, e é bom prestarmos atenção nisso, (pois trata-se de nossa
responsabilidade perante a vida), estamos permanentemente a viver/contar a
nossa história. As palavras que proferimos, os gestos que praticamos, representam
a inscrição, o registro, a publicação contínua e indelével de nossa
autobiografia.