sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Autobiografias


À primeira vista, apenas os notáveis deveriam publicar autobiografias, gente que, de fato, tem o que dizer, registrar, revelar, tornar público, considerando a vida que levam, os atos que praticam, e geralmente o fazem ao final da vida. A realidade, no entanto, não tem sido esta: as livrarias estão abarrotadas de autobiografias de pessoas de alguma notoriedade, porém “desimportantes”, digamos assim, e que estão longe do fim da vida, provavelmente. Afora o compreensível e legítimo desejo de ganhar dinheiro, o que buscam tais indivíduos ao exporem suas intimidades? A fama perene? O reconhecimento público? Ou trata-se mesmo tão somente de uma jogada comercial?
Todo homem tem sua importância, e, em princípio, tem uma história a ser contada, a história de sua própria vida. E se o homem comum é capaz de contar com engenho e arte a sua história, então podemos pensar que aí reside a origem do Romance. A partir desta ideia, surge a interrogação, desprovida de qualquer ranço de pedante exibicionismo: todos temos direito a uma autobiografia?
Encontro no último livro de Zygmunt Bauman, Isto não é um diário (Zahar, 2012), a interessantíssima pergunta (a diferença entre filósofos e não filósofos é que os primeiros sabem fazer perguntas!): “Qual é, afinal, a diferença entre viver e contar a vida?” E, em seguida, Bauman cita José Saramago, ao qual rende homenagens por ter se tornado fonte de inspiração recente: “Creio que todas as palavras que vamos pronunciando, todos os movimentos e gestos, concluídos ou somente esboçados, que vamos fazendo, cada um deles e todos juntos, podem ser entendidos como peças soltas de uma autobiografia não intencional que, embora involuntária, ou por isso mesmo, não seria menos sincera e veraz que o mais minucioso dos relatos de uma vida passada à escrita e ao papel.”
Portanto, todo homem tem sua autobiografia não intencional, e se a registra em livro ou não, esta é uma outra questão a ser colocada a partir de motivações de ordem pessoal. Queiramos ou não, e é bom prestarmos atenção nisso, (pois trata-se de nossa responsabilidade perante a vida), estamos permanentemente a viver/contar a nossa história. As palavras que proferimos, os gestos que praticamos, representam a inscrição, o registro, a publicação contínua e indelével de nossa autobiografia.