Confesso, foi amor à
primeira vista!
Depois de uma semana eu estava
completamente apaixonada. Você sabe o que é paixão? Já experimentou? Porque se
não experimentou, não pode saber o que isso significa. É uma espécie de
loucura, ideia fixa, obsessão, o pensamento no homem dia e noite, noite e dia,
sem trégua, uma canseira danada. Pois foi isso que me aconteceu, fulminante
como um raio em dia de céu azul.
O
rapaz era mesmo lindo!
Apareceu
na cidade vindo não sei de onde. No princípio pensei que vinha do céu; depois,
que veio do inferno.
Foi
numa segunda-feira pela manhã que o vi pela primeira vez, encostado no balcão
da padaria, tomando uma média com pão e manteiga. Vestia um casaco do couro
preto, e nunca deixou de usá-lo, como se fosse uma segunda pele.
Notei
que ele me olhou com interesse, com olhos de bicho predador, certo desde o princípio
que abateria aquela presa.
Eu,
presa.
No
dia seguinte, à mesma hora, na padaria, ele atacou:
–
Gostei de você, menina. Qual o seu nome?
–
Artemísia.
–
Nome mais lindo! Vamos ao cinema hoje à noite?
As
pernas bambearam, fiquei tonta com o convite, não sabia o que dizer, não queria
parecer mulher fácil, pedi o celular dele, daria a resposta à tardinha. Peguei
meu saco de pães e saí esbaforida da padaria, nem perguntei o nome dele, que
vergonha!
–
Aceito, sessão das sete. Qual o seu nome?
Nem
precisava marcar o local, só havia um cinema na cidade, o Cine Central, na
praça principal, onde também ficava a padaria. E assim foi toda a semana,
sempre na sessão das sete, cada noite um filme, beijos beijos beijos, aquela
pegação, amor louco, moço mais lindo!
Até
que chegou sexta-feira. Ele não apareceu, não telefonou, não deu notícia,
evaporou. Nem sábado. Nem domingo.
Quase
morri de desespero. Pensei em acabar com a vida, tomar formicida. Eu ligava ele
não atendia, eu ligava ele não atendia. Com a ajuda de Nossa Senhora da
Aparecida cheguei viva até a segunda-feira seguinte.
Lá
estava ele no balcão da padaria.
– Clêidissom,
por que você fez isso comigo?
–
Estava trabalhando, Artemísia.
–
Trabalhando?!
–
Isso mesmo.
Que
trabalho poderia ser aquele, só nos fins de semana, e aparentemente
inconfessável, telefone desligado, incomunicável, algum mal feito?, alguma
trapaça?, trabalho escuso?, garoto de programa?, por que tanto mistério?
–
Cineminha hoje à noite?, ele pergunta fazendo-se de desentendido.
–
Ligo de tarde.
Também
não podia me fazer de mulher-à-toa, tinha meus brios, minha mãe não cansava de
repetir, Artemísia, tenha vergonha na cara, mas já havia decidido, convite
aceito, precisávamos conversar, eu precisava saber. Talvez houvesse uma
explicação razoável para aquele comportamento?
À
noite fiquei sabendo.
–
Afinal, Clêidissom, o que você faz para ganhar a vida?
–
Sou motociclista do globo da morte.
Permaneci
muda, uma estátua, sem saber o que pensar, sem saber o que dizer. Casar-me com
alguém do circo, e que ainda por cima colocava a vida em risco todo fim de
semana no globo da morte, só estando muito apaixonada.
Durante
toda aquela semana fomos à sessão das sete no Cine Central, cada dia um filme.
Na sexta-feira fui ao circo, sentei-me bem longe, no alto da arquibancada, protegida
pelo escurinho, onde ele não podia me ver. Um espetáculo, o globo da morte! Ele
de casaco de couro preto, calça justa de veludo, capacete azul com estrelinhas
vermelhas cortadas por um raio amarelo, moço mais lindo! O ronco das duas
motocicletas era ensurdecedor e ao mesmo tempo excitante. Ao final da
apresentação precisei disfarçar, tive um orgasmo. Voltei no sábado. Retornei no
domingo.
Na
segunda-feira não encontrei Clêidissom na padaria. O circo havia arribado.