As palavras cruzadas completam 100 anos no próximo 21 de
dezembro. O primeiro jogo de palavras cruzadas foi publicado no The New York
World em 21 de dezembro de 1913, e seu inventor foi Arthur Wynne.
Segundo Will
Shortz, editor do New York Times, o
sucesso foi enorme entre os leitores,
porém, como não foi registrada a patente, Wynne nunca auferiu qualquer
benefício com seu invento. (1)
No jornal O Estado
de São Paulo, a seção de palavras cruzadas estreou em 2 de abril de 1950, e é publicada
até hoje no Caderno 2.
Ao final
dos anos 50 e início dos 60, meu pai era assinante e leitor assíduo deste
jornal, diariamente entregue em nossa casa, no interior de São Paulo. O
objeto era tratado como algo sagrado! Ai de quem ousasse tocá-lo – folhear o
jornal então, nem pensar –, incluindo os filhos e até nossa mãe, antes que o
pai o lesse.
A leitura
constituía-se de verdadeiro ritual. Realizava-se sobre a mesa da sala, onde o
jornal era cuidadosamente aberto página a página, as folhas mantidas bem
arrumadas em seus respectivos cadernos, de modo que, ao final da leitura, a
impressão que tínhamos era a de que o jornal ainda não havia sido folheado. Aí sim, só então podíamos abri-lo, quase sempre em busca das tirinhas ou do Suplemento Infantil.
Até me
interessei pelas palavras cruzadas. Para a minha idade e vocabulário, eram
dificílimas! Mas não desisti, sempre com a ajuda do pai, que de certa forma me
incentivava. Tornou-se motivo de piada na família quando certa vez lhe
perguntei, Pai, o que é fluxo e refluxo das águas do mar? A graça estava no
fato de que pronunciei as palavras fluxo e refluxo com som de ch, como em
“luxo”. O pai soltou gostosa gargalhada, corrigiu minha pronúncia e respondeu,
Maré. Lembro-me muito bem de que não me senti nem um pouco ofendido com as
risadas; era mesmo engraçada a minha ignorância infantil, eu podia perceber
isso, além do que acabara de aprender mais uma palavra, com a ajuda do pai.
Um pouco
mais crescidinho, resolvi eu mesmo construir um jogo de palavras cruzadas e
enviá-lo ao jornal. Tomei como modelo um quadriculado semelhante ao que era
publicado e passei dias e dias, talvez semanas, na árdua tarefa de cruzar as
palavras em um quebra-cabeças. Depois de pronto, remeti-o ao Estadão, pelos
Correios, naturalmente.
Desde
então, tinha a consciência de que jamais veria minha obra publicada, e isso não
me incomodava. Bastava o feito em si, do qual muito me orgulhava: eu havia
enviado minhas palavras cruzadas para o jornal!
Poucos
anos depois nos mudamos para o Rio de Janeiro, e meu pai deixou de ler o
Estadão. Após 10 anos, ao voltar a passeio a Guaratinguetá, encontrei-me com um
ex-colega de ginásio que veio logo me dizendo, André, sabe que vi no Estadão
uma palavra cruzada com seu nome como autor?! Era você mesmo?, perguntou
incrédulo.
Era eu.