quinta-feira, 18 de julho de 2013

14. Doutor, eu não quero saber o que eu tenho


           Sabedor de meu interesse sobre o tema paciente terminal, certa vez um colega me procurou pedindo ajuda. Contou-me que o pai, também médico, havia sido diagnosticado com um câncer em fase avançada, e toda a família, que incluía mais quatro irmãos médicos (!), encontrava-se em grande dificuldade para lidar com o problema. Pediu-me que visitasse o pai, muito angustiado com a situação.
            Assim que entrei no quarto do paciente, um homem em seus 70 anos, ainda forte, ele disparou, Doutor, eu não quero saber o que eu tenho.
            Não me lembro de ter visto negação mais acintosa. Era evidente que o paciente sabia de sua doença, e apavorado com a enorme ameaça, continuava repetindo que não queria saber.
Só diz que não quer saber quem já sabe.
            Em momento algum passou por minha mente obrigá-lo a ouvir aquilo que ele não desejava escutar. Mesmo assim, permaneci em seu quarto, disposto a ouvi-lo. Pude observar sua ansiedade ao falar, sua agressividade, irritação, a péssima relação com a esposa que permanecia a seu lado e sempre que podia, fazia-me sinais com a mão, para que eu nada dissesse. A conversa durou apenas alguns minutos.
            À noite, o colega que havia solicitado minha ajuda ligou-me, pedindo que não voltasse ao quarto do pai, era uma “solicitação de toda a família”. Imagino que devem ter conversado sobre aquela visita de um intruso.
Guardei comigo a experiência, de como a “mentira” pode complicar as coisas e a verdade ser o caminho mais fácil para o entendimento entre as pessoas, em circunstâncias como esta. Todos sabiam da verdade, que apenas não podia ser dita. O médico do paciente pode então se constituir num facilitador, conversando com as pessoas, permitindo que expressem a angústia, medo, pavor diante do processo de morrer. 

2 comentários:

  1. Esta é uma grande dificuldade, e nao só na área da saúde: ter que falar com alguém que nao quer ouvir. Nessas horas resta o escutar - e ja nao é pouco.

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