segunda-feira, 15 de julho de 2013

1. Introdução


Pensar a morte continua sendo um problema para os vivos. Afinal, os mortos não têm problemas.
            Dos inúmeros enfoques que o tema comporta – religioso, antropológico, filosófico, social, etc – o que nos interessa aqui é o vértice médico, de como a morte e o processo de morrer afetam desde o estudante de medicina que se defronta com o cadáver nos primeiros semestres do curso, até o médico experiente, mas que evita o assunto quando se trata da morte de um paciente seu.
            Alguma coisa mudou nos últimos 40 anos, especialmente no que diz respeito às informações prestadas aos pacientes e seus familiares sobre o verdadeiro diagnóstico. Informações falsas ou omissões tornaram-se passíveis de processo judicial contra o médico e contra o próprio hospital, determinando tais mudanças de atitude. O que pouco mudou foi o real sentimento do médico para com o paciente terminal, para a inevitabilidade da morte em determinadas circunstâncias; e tem dificuldade para ajudar tais pacientes com a experiência do processo de morrer, sem que se sinta culpado pela morte deles.
            Uma das principais razões para que tais mudanças, quando ocorrem, se façam tão vagarosamente, é a pouca informação dedicada ao estudante de medicina durante toda a sua formação. No Brasil, a morte e em particular a abordagem do paciente terminal não chegam a ser mencionados em vários currículos médicos, ou são superficialmente tratados em outros, através de aulas esporádicas, a critério de um ou outro professor. As dificuldades surgem gritantes quando o aluno chega ao chamado Internato, o último ano do curso, quando entra em contato com o paciente grave, de forma mais íntima e  responsável. Durante a Residência Médica, premido pelo excesso de trabalho, o médico relega o assunto para segundo plano.
            O objetivo deste texto, dedicado ao estudante de medicina, ao médico residente, a todos os médicos que de um modo ou de outro estão envolvidos com a morte de seus pacientes, e ao leigo que se interessa pela morte e pelo processo de morrer, é tratar do assunto com base na experiência pessoal do autor, que há mais de 30 anos vem acumulando experiência clínica, no atendimento aos pacientes terminais; durante igual período, teve o privilégio de poder discutir o tema várias vezes em cada semestre, com alunos de graduação, médicos residentes, colegas professores da Universidade de Brasília, através de seminários, discussões de grupo, conferências e participação em congressos médicos. A publicação do artigo científico “O estudante, o médico e o professor de medicina perante a morte e o paciente terminal”, na Revista da Associação Médica Brasileira, e o capítulo “Cirurgião e paciente terminal: a educação pela morte”, no livro Controle Clínico do Paciente Cirúrgico, constituíram importantes momentos para o autor.
            A esses fatos soma-se a condição do próprio autor, portador de um câncer com disseminação óssea e linfonodal, neste momento considerar-se um paciente terminal. Antes de dar prosseguimento, faz-se imperioso conceituar o termo “paciente terminal”: é a pessoa portadora de doença grave, que provavelmente a levará à morte, num espaço de tempo muito variável, compreendido entre semanas ou anos. Não se trata portanto do chamado paciente moribundo, ou seja, aquele que está morrendo. O termo paciente terminal, embora bastante criticado atualmente, ganhou aceitação em nosso meio e é de fácil compreensão até mesmo pelo leigo, e por isso será aqui empregado.
            A partir do momento em que decidiu registrar sua experiência com o tema, o autor decidiu também iniciar um Diário onde pudesse registrar a evolução de sua própria doença e as repercussões psíquicas decorrentes, com o intuito de trazer alguma luz ao que será chamado doravante de O Processo de Morrer. Se terá sucesso e tempo para esta empreitada, nem ele ainda o sabe. 

Um comentário:

  1. Na verdade, o relato será instrutivo e inspirador nao só para médicos, mas também para todos os que cogitam do significado da vida. Que coragem, parabéns !

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