Pensar a morte continua sendo um problema para os vivos. Afinal, os
mortos não têm problemas.
Dos inúmeros enfoques que o tema
comporta – religioso, antropológico, filosófico, social, etc – o que nos interessa
aqui é o vértice médico, de como a morte e o processo de morrer afetam desde o
estudante de medicina que se defronta com o cadáver nos primeiros semestres do
curso, até o médico experiente, mas que evita o assunto quando se trata da
morte de um paciente seu.
Alguma coisa mudou nos últimos 40
anos, especialmente no que diz respeito às informações prestadas aos pacientes
e seus familiares sobre o verdadeiro diagnóstico. Informações falsas ou
omissões tornaram-se passíveis de processo judicial contra o médico e contra o
próprio hospital, determinando tais mudanças de atitude. O que pouco mudou foi
o real sentimento do médico para com o paciente terminal, para a
inevitabilidade da morte em determinadas circunstâncias; e tem dificuldade para ajudar tais
pacientes com a experiência do processo de morrer, sem que se sinta culpado pela morte deles.
Uma das principais razões para que
tais mudanças, quando ocorrem, se façam tão vagarosamente, é a pouca informação
dedicada ao estudante de medicina durante toda a sua formação. No Brasil, a
morte e em particular a abordagem do paciente terminal não chegam a ser
mencionados em vários currículos médicos, ou são superficialmente tratados em
outros, através de aulas esporádicas, a critério de um ou outro professor. As
dificuldades surgem gritantes quando o aluno chega ao chamado Internato, o
último ano do curso, quando entra em contato com o paciente grave, de forma
mais íntima e responsável. Durante a
Residência Médica, premido pelo excesso de trabalho, o médico relega o assunto
para segundo plano.
O objetivo deste texto, dedicado ao estudante de
medicina, ao médico residente, a todos os médicos que de um modo ou de outro
estão envolvidos com a morte de seus pacientes, e ao leigo que se interessa
pela morte e pelo processo de morrer, é tratar do assunto com base na
experiência pessoal do autor, que há mais de 30 anos vem acumulando experiência
clínica, no atendimento aos pacientes terminais; durante igual período, teve o
privilégio de poder discutir o tema várias vezes em cada semestre, com alunos
de graduação, médicos residentes, colegas professores da Universidade de
Brasília, através de seminários, discussões de grupo, conferências e
participação em congressos médicos. A publicação do artigo científico “O estudante, o médico e o professor de
medicina perante a morte e o paciente terminal”, na Revista da Associação Médica
Brasileira, e o capítulo “Cirurgião e paciente terminal: a educação pela
morte”, no livro Controle Clínico do Paciente Cirúrgico, constituíram importantes
momentos para o autor.
A esses fatos soma-se a condição do
próprio autor, portador de um câncer com disseminação óssea e linfonodal, neste
momento considerar-se um paciente terminal. Antes de dar prosseguimento, faz-se
imperioso conceituar o termo “paciente terminal”: é a pessoa portadora de
doença grave, que provavelmente a levará à morte, num espaço de tempo muito
variável, compreendido entre semanas ou anos. Não se trata portanto do chamado
paciente moribundo, ou seja, aquele que está morrendo. O termo paciente
terminal, embora bastante criticado atualmente, ganhou aceitação em nosso meio
e é de fácil compreensão até mesmo pelo leigo, e por isso será aqui empregado.
A partir do momento em que decidiu
registrar sua experiência com o tema, o autor decidiu também iniciar um Diário
onde pudesse registrar a evolução de sua própria doença e as repercussões
psíquicas decorrentes, com o intuito de trazer alguma luz ao que será chamado
doravante de O Processo de Morrer. Se terá sucesso e tempo para esta
empreitada, nem ele ainda o sabe.
Na verdade, o relato será instrutivo e inspirador nao só para médicos, mas também para todos os que cogitam do significado da vida. Que coragem, parabéns !
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