O noivado foi curto, além do que, foi amor à primeira vista.
Conheciam-se pouco, ignoravam hábitos, manias, cacoetes, um do outro.
Durante a
semana José saía para o trabalho e Cleonice revelava-se excelente dona de casa,
diligente, caprichosa, ótima na cozinha, Mulher de cama e mesa, José gostava de
se gabar diante dos amigos.
As
desavenças surgiram nos fins de semana, quando José gostava de sair, caminhar
no lindo parque da cidade, deliciar-se com o sol e a sombra das grandes
árvores, pegar um cineminha à tarde, esticar a noite num boteco perto de casa,
Nada se compara a comida de boteco, encontrar os amigos, jogar conversa fora.
Aos
sábados, logo após o café da manhã, Cleonice era outra mulher, incompreensível
metamorfose. Tomava um longo banho, lavava a cabeça com xampu de boa qualidade,
depois vinha o creme para os cabelos e para o corpo, Cleo, olha a luz elétrica!,
gritava José, incomodado com aquele desperdício de água e energia. Terminado o
banho, vinha o secador, mais quarenta e cinco minutos secando e penteando os
cabelos. Então Cleonice enrolava-se numa toalha branca, estendia uma outra,
também branca, sobre a cama do casal, o radinho de cabeceira tocando música
sertaneja, e tinha início estranhíssimo ritual, o de pintar as unhas do pé.
Secava dedo
por dedo, e os vãos entrededos, com uma toalha de linho egípcio, utilizada
apenas com este fim. Retirava tufos de algodão de um grande rolo, todos do
mesmo tamanho, e separava com eles cada dedo dos pés. Com tesourinha curva afiada
da marca Mundial – só podia ser desta marca, a melhor do mundo – aparava as
unhas, retirava uma ou outra sujeirinha inadvertida, e em seguida as lixava com
lixa fina. Com um pequeno alicate, também da marca Mundial, removia cutículas e
fragmentos de pele excedentes.
Chegava
então o momento supremo, o da pintura das unhas. Cleonice espalhava sobre a
cama enorme quantidade de vidros de esmalte, de todas as cores possíveis,
dispostos num degradê perfeito, facilitando assim a escolha da melhor
tonalidade que combinasse com a luz daquela manhã. Escolhia uma cor, pintava a
unha do grande dedo direito, levantava o pé contra a luz da janela, olhava
olhava olhava, Não combina. Umedecia então o algodão no pequeno frasco de
acetona e retirava o esmalte. Tornava a olhar para a palheta de esmaltes como
quem olha para um arco-íris, distraída, o olhar vago, perdida no mundo. Era
outra Cleonice.
José
costumava entrar no quarto nesses momentos e gritar, Acorda mulher, para com
isso, vamos dar uma volta, saia deste quarto cheirando a esmalte, ao que a mulher
respondia, Só depois que fizer minhas unhas.
Chegada a
hora do almoço, como não houvesse comida na mesa, José rumava para o Bode
Preto, o melhor boteco do bairro, e esquecia Cleonice por algumas horas,
entretido com tira-gostos, cerveja geladíssima, feijoada dos sábados, pinga
artesanal de Minas Gerais. Voltava para casa lá pelas cinco da tarde e
encontrava Cleonice enrolada na mesma toalha branca, sobre a cama do casal,
ainda escolhendo a melhor tonalidade de esmalte que combinasse, agora, com a
luz daquela tarde.
Na hora do
jantar a função terminava, as unhas impecáveis, consumada a verdadeira obra de
arte. Cleonice requentava alguma coisa da geladeira, acompanhada de salada de
alface e tomate, via um filme na televisão e ia dormir, José amuado com mais um
sábado perdido.
No domingo,
após o café da manhã, o banho demorado, a toalha estendida sobre a cama, a
palheta de esmaltes, a luz suave a penetrar pela janela, o ritual de sempre. A
cor escolhida para o sábado não podia mesmo servir para o domingo, para
desespero de José.
Na
segunda-feira Cleonice era outra: diligente, caprichosa, ótima na cozinha, dona
de casa ideal, o casal cheio de amores e carinhos, até que chegava o próximo sábado.
José se
cansou daquilo, deu o ultimato, Cleo, ou você para com isso ou volto para a casa da minha
mãe, Pois volte, descuidar das unhas eu não posso.
Conheciam-se
muito pouco, José e Cleonice, antes do apressado casamento.