“... assim como no Renascimento, surgiu uma nova linguagem
artística que mudou a história da arte. Assim, não custa nada imaginar que, em
função das novas tecnologias, uma nova arte esteja para nascer.”
É como
termina a última crônica de Ferreira Gullar publicada neste domingo (Arte do futuro, 11/12/2016) na Folha de
S. Paulo, uma semana após sua morte. Afirma a neta: "Quando eu perguntei
se preferia terminar outro dia, ele disse que não, porque não sabia o que
poderia acontecer". (Aos 86 anos, em um leito de hospital, o poeta ditou a
coluna à neta Celeste.)
O
cronista destaca a importância da técnica na arte. Cita a pintura mural, o
surgimento da tela, e mais tarde da fotografia, como meios de manifestações
artísticas e suas respectivas peculiaridades técnicas.
Cita o
caso Marcel Duchamp, o homem do urinol, que afirmou “Será arte tudo o que eu
disser que é arte”. A partir daí, segundo Gullar, “estava aberto o caminho para
o vale-tudo”, e “o que até aqui se chamou de arte já não o é”. (Não havia
espaço para que o cronista falasse do papel do ‘mercado de arte’ na gênese
deste desvirtuamento.)
Gullar
tornou-se crítico impiedoso da arte contemporânea, mas não perde a esperança,
ao falar de uma nova forma de arte que poderá nascer a partir de novas
tecnologias. (Talvez esta seja uma boa definição do que venha a ser um poeta:
aquele que nunca perde a esperança.)
Fico pensando se esta nova forma de
arte de que fala o poeta já não existe e é o próprio cinema, com sua técnica
cada vez mais aprimorada, sua imensa capacidade de difusão, tornando-se hoje a
forma mais democrática de manifestação artística.
Cito apenas dois filmes recentes, para
consideração do leitor, como arte em estado puro, considerando a técnica
cinematográfica. O primeiro deles é Julieta,
de Pedro Almodovar. O roteiro baseia-se em três contos de Alice Munro,
magistralmente adaptados e condensados por Almodovar. Cada tomada do filme
assemelha-se a um quadro, a uma pintura ora realista, ora surrealista, a
combinar forma e cor de maneira perfeita. Tempos atrás dava-se a isso nome de
‘filme de arte’.
O segundo é O filho de Saul, do diretor húngaro László Nemes, vencedor do
Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. A
despeito da importância do tema – o trabalho de certos judeus nas antecâmaras
dos fornos crematórios em Auschwitz –, o filme surpreende pela inovação
técnica, com uma câmara sempre às costas do protagonista, chegando a desnortear
o expectador desavisado. Outro filme de arte.
Porém, os entendidos dirão que as tais
novas formas de arte são hoje representadas pelas instalações audiovisuais, que
invadiram amostras e bienais. Quase sempre uma chatice.