Ao meu amigo Aldo.
Afrânio Geodésio – por mais incrível
que possa parecer, este é mesmo seu verdadeiro nome – tem o respeito nacional e
internacional, eminente geólogo que é, um brasileiro de reputação inatacável,
orgulho pátrio. Ele prepara-se com esmero profissional para a Conferência
Inaugural do XXXI Congresso Internacional de Geologia, quando será visto e
ouvido por milhares de cientistas em todo o mundo, que aguardam com enorme
expectativa seu veredicto a respeito do que será o Antropoceno, ou a Idade do
Homem, período que virá suceder o Holoceno, que perdurou nos últimos 12.000
anos.
A Comissão Internacional de
Estratigrafia, com sede em Genebra, e que decide sobre as divisões da idade da
Terra, aguarda o parecer do Professor Geodésio como quem aguarda uma encíclica
papal, fonte de verdades definitivas. O grande anfiteatro do Instituto de
Estratigrafia está repleto, são mais de 5.000 participantes, todos ansiosos
pela conferência do Professor, Um momento histórico para a Geologia mundial,
todos concordam.
Quando o Professor entra no palco
explodem os aplausos; quando sobe ao púlpito faz-se um silêncio absoluto.
– Senhoras e senhores, meus colegas.
Li Friedrich Nietzsche ainda menino, e quando terminei a leitura de Assim falou
Zaratustra perguntei a minha mãe, Mamãe, é verdade que Deus morreu?, ao que ela
me respondeu com um coque no alto da minha cabeça, Deixe de asneiras, menino!
Senhoras e senhores, posso lhes assegurar que a Terra também morreu, e que o
Homem está morrendo com ela.
O
imenso salão permanece em profundo silêncio.
No dia seguinte os jornais do mundo inteiro
estampam manchetes de primeira página com as palavras do Professor Geodésio.
Uma semana depois, numa edição de
domingo, um renomado periódico edita caderno especial, tratando do assunto, com
uma breve entrevista do Professor Geodésio.
Um mês depois ninguém mais fala do
assunto.
As queimadas amazônicas continuam
queimando; a floresta sendo desmatada; as fábricas poluindo; os automóveis emitindo
toneladas de gases; os esgotos e resíduos químicos matando os rios; o petróleo
sendo derramado no mar; o mercúrio dos garimpeiros matando tudo que é vivo.
Nietzsche é quem tinha razão, pensa
consigo mesmo o Professor Afrânio Geodésio, orgulho da nação.