Duas exigências faziam
parte da construção do haicai original, nascido no Japão: a natureza como tema
e a ausência de rima. As variações quanto ao número de versos e sílabas foram
constantes ao longo dos séculos – o waka,
com versos de 5 e 7 sílabas, surgiu no século VII d.C., até que se chegou à
clássica estrutura de 5 - 7 - 5 versos.
São exemplos do haicai clássico do mestre Basho:
velho
lago
mergulha
a rã
fragor
d’água
em
profundo silêncio
o
menino, a cotovia
o
branco crisântemo
ao
sol da manhã
uma
gota de orvalho
precioso
diamante
Nos anos 40, no Brasil, Guilherme de Almeida introduziu
engenhosa organização no haicai brasileiro através da rima entre o primeiro e
terceiro versos, além de uma rima interna no segundo verso, entre a segunda e
sétima sílabas. O seguinte esquema torna mais fácil a compreensão desta
estrutura:
_
_ _ _ x
_
y _ _ _ _ y
_
_ _ _ x
Eis alguns belos haicais do poeta paulista (Campinas
-1890, São Paulo - 1969), todos compostos segundo o formato acima:
O
ar. A folha. A fuga.
No
lago, um círculo vago.
No
rosto, uma ruga.
Um
gosto de amora
Comida
com sol. A vida
Chamava-se
“Agora”.
Na
cidade, a lua:
a
joia branca que boia
na
lama da rua.
A partir de 1980 o haicai ganha reputação de poesia séria,
influenciada ainda pelos modernistas, com enorme contribuição de Paulo Leminski
(Curitiba, 1944 - Curitiba, 1989). A forma já não importa tanto, perde-se a
rigidez, a natureza não se constitui no único tema, a banalidade do cotidiano
entra no haicai, embora os três versos estejam presentes na maioria deles. A
rima, quando existente, em geral permanece entre o primeiro e terceiro versos.
Alguns haicais de Leminski:
verde
a árvore caída
vira
amarelo
a
última vez na vida
lua
de outono
por
ti
quantos
s/ sono
casa
com cachorro brabo
meu
anjo da guarda
abana
o rabo
Forma e rima variam tremendamente nos haicais de Carlos
Drummond de Andrade (Itabira, 1902 - Rio, 1987):
Não
tenho dinheiro no banco,
porém
meu
jardim está cheio de rosas.
E
se Deus é canhoto
e
criou com a mão esquerda?
Isso
explica, talvez, as coisas deste mundo.
Tudo
tem limite
exceto
o
amor de Brigitte.
Poucos autores, nos dias de hoje, têm se dedicado com
tanto afinco à difusão do haicai quanto
a curitibana Alice Ruiz (1946). Também ela não abandona completamente a rima:
nesse
país em greve
só
o relógio
faz
o que deve
presente
de vênus
primeira
estrela que vejo
satisfaça
o meu desejo
formigas
fazem festa
farelo
de bolo
da
véspera
Tendo ultrapassado a espantosa (para mim!) cifra de 100
haicais publicados no Louco por cachorros, de qualidade incomparavelmente
inferior aos poetas aqui citados, sem qualquer pretensão de excelência
criativa, trago para apreciação de meus pouquíssimos leitores, uma variação de
forma e rima que penso ser original, nem melhor nem pior, salvo disposições em
contrário. O esquema é assim representado:
_
A _ _ B
_
_ _ _ _ _ A
_
_ _ _ B
Alguns exemplos, compostos em agosto e setembro, no
Planalto Central:
sol
quente, secura
parece
que ela nem sente
canta
a saracura
co’a
seca, a esperança
primeira
chuva que chega
dias
de bonança
bem
antes das chuvas
pra
levar a vida adiante
o
cerrado muda
Penso que o espaçamento maior entre as rimas da segunda
sílaba do primeiro verso e a última do segundo verso possa criar uma boa
sonoridade para o haicai. Ao menos, uma experimentação, contando com a
benevolência de sempre de meus leitores.