Depois de resumir a interessante trama do
romance, José Castello encerra sua crônica tratando de tema que me interessa
muitíssimo:
“...
não existe esperança alguma de que a escrita possa "curar". A escrita
não cura, mas dá vazão. Dá corpo – acolhe. Faz de uma coisa, outra – sem que,
com essa transposição, coisa alguma se resolva. A literatura nada resolve, ela
nos ajuda a viver.”
O
assunto veio à baila neste blog com O diário de Boris Fausto,
onde comento o livro do famoso historiador, O
brilho do bronze, que trata, em uma única palavra, do Luto, após a morte da
esposa querida. Meu ponto de vista versava sobre a falta que senti, no livro,
de alguma referência ao que chamo de Função Terapêutica da Escrita. (http://loucoporcachorros.blogspot.com.br/2014/12/o-diario-de-boris-fausto.html)
Agora
vem o excelente José Castello, trazendo a palavra “cura” – assim mesmo, entre
aspas – relacionando-a com a escrita. E conclui com a retumbante frase “A
literatura nada resolve...”.
Vamos
tentar organizar as ideias, pois penso que, tanto um autor quanto o outro
misturam conceitos, fazem afirmações obscuras, ou deixam de fazê-las – é o caso
de Fausto em O brilho do bronze –, a respeito da Literatura e da Escrita. Uma
coisa é a Literatura – com maiúscula, excluindo assim, desde já, aquela que se
convencionou chamar de autoajuda –, outra coisa é a Escrita, o ato individual e
solitário de quem escreve.
A
Literatura, de fato, não muda nada, ou quase nada. Sua “utilidade” é a mesma da
Arte de um modo geral: ajuda, revigora, ampara, ameniza, mas por si mesma, não
resolve, como afirma Castello. (Mas, afinal, o que é que resolve? O que é
resolver?)
A
Escrita, vejo-a com outros olhos: trata-se de autocriação, de uma atitude
tomada pela pessoa que escreve e que exige esforço individual, que pode ajudar
a colocar em ordem os pensamentos, as emoções, enfim, clarear as ideias. Ajuda
a pensar. Pode ensinar àquele que escreve a pensar melhor. Se aquele que
escreve, lê, tanto melhor!
Um
ótimo exemplo desta aplicação do ato de escrever pode ser encontrado em O brilho do bronze, em que a escrita
ajuda a vivenciar o luto. Qualquer pessoa naquela situação pode utilizar-se da
escrita como forma de verdadeira autoajuda – palavra agora empregado em sentido
completamente diferente do usual. É o que denomino de Função Terapêutica da
Escrita.
O
paralelo que podemos traçar nesse ponto do desenvolvimento de minhas ideias é
com a Psicanálise. O psicanalista jamais fala, muito menos promete, cura. Em se tratando de psiquismo humano
(aqui não há pleonasmo, pois outras espécies animais têm seu próprio
psiquismo), não se pode falar em cura. Uma das grandes contribuições freudianas
para a psicologia foi a de que é impossível traçar um padrão de normalidade
para a mente e comportamento humanos. Portanto, submeter-se a uma terapia não
significa possibilidade de cura. O que ela possibilita, quando o processo é bem
conduzido, é o que se pode chamar de expansão psíquica.
O
mesmo ocorre com a Literatura, as Artes, a Escrita; estas não curam ninguém.
Porém, a Escrita, pela peculiaridade de que exige por parte de quem escreve um
esforço, mínimo que seja, de autoconhecimento, de autorreflexão, pode ser
terapêutica. Ela não precisa ser necessariamente artística, literária, ou coisa
do gênero.
Qualquer pessoa pode
escrever, se possui um mínimo de alfabetização, o que não acontece com outras
formas de Arte, como a pintura, por exemplo. E o que se escreve nem sempre
precisa ser publicado. (Lembro-me bem da estrondosa repercussão que foi a
publicação, em 1960, de Quarto de despejo
– diário de uma favelada, de Carolina Maria de Jesus (1914-1977), uma
catadora de papel semianalfabeta, que de início escrevia para si mesma, até que
foi descoberta pelo jornalista Audálio Dantas. Além das incontáveis edições,
seu livro foi traduzido para mais de uma dezena de idiomas.)
O
exercício da Escrita pode tornar-se um meio de expansão psíquica, daí minha ideia
de sua particular função terapêutica.