Cada lagarta tem seu gosto;
algumas preferem urtigas.
Provérbio japonês
Acima, a epígrafe de Há quem prefira urtigas, de Jun`Ichiro Tanizaki (Companhia das Letras, 2003, tradução de Leiko Gotoda). Assim tem início o romance:
“E então? Você vai?”, desde cedo naquela manhã, Misako perguntava ao marido, mas as respostas ora eram evasivas, ora ambíguas. Aliás, ela própria não sabia que atitude tomar e, indecisos, os dois haviam perdido a manhã. Cerca da uma da tarde, Misako tomou banho e aprontou-se para qualquer eventualidade. Em seguida, sentou-se em mudo incentivo perto do marido que, jogado sobre o tatame, ainda lia o jornal; mas nem assim consegui fazê-lo definir-se.
– Que acha de tomar um banho, ao menos? – perguntou.
– Hum...”
A cena se passa no Japão, década de 1920: Misako e Kaname, que já não encontram amor no casamento nem sentem atração física um pelo outro, decidem se separar. Por razões obscuras até mesmo para ambos, não conseguem pôr fim ao próprio casamento. O autor expõe assim os dilemas da velha tradição japonesa em confronto com a nova geração influenciada pelo ocidente.
O casal estabelece então uma série de regras de comportamento afetivo, na expectativa de que, com o tempo, ocorra a separação definitiva e pouco traumática. Enquanto isso, Kaname visita a prostituta Louise, e Misako pretende refazer a vida ao lado de Aso, seu amante.
Personagem interessantíssima é o velho pai de Misako, amante do tradicional teatro de bonecos, e que vive com a concubina Ohisa, trinta anos mais jovem. É ele quem revive as os costumes japoneses mais tradicionais, que o autor faz questão de enfatizar em seus livros, de modo a valorizar e até mesmo opor a tradição nipônica aos novos hábitos do ocidente.
Ao final do romance, o pai de Misako, bem velho, arroga a si o direito de opinar sobre o destino do casal, que não tem alternativa senão ouvi-lo. Fica patente o respeito que aquele povo tinha pelo parente mais velho àquela época.
(Foi inevitável para mim comparar este aspecto com as relações familiares em nosso meio, nos dias de hoje, onde o mais velho não é ouvido; suas opiniões não interessam ao mais jovem; ele já não tem valor como pessoa; o velho precisa lutar, se assim o desejar, para ao menos preservar o respeito dos mais novos. Não li isso em lugar algum; escrevo assim porque tenho experimentado isso.)
Sou fã de Jun`Ichiro Tanizaki que, com seu estilo bem cuidado, me revela um outro tipo de viver, de sentir, de pensar.