Os amigos já não se espantam com
minhas contradições. Há muito venho dizendo que não aprecio o gênero literário
das biografias, se é que elas constituem um gênero próprio. Pedro Nava foi mestre
do memorialismo, tendo traçado ótimo retrato da cultura brasileira do século
XX; penso que isso é bem diferente do conteúdo de biografias que chegam a fazer sucesso,
tipo Plínio Salgado, João Goulart ou José Dirceu.
Também estou cansado de afirmar que já
não leio livros com mais de 200 páginas, não tenho tempo para isso, posso não chegar
ao fim se os volumes forem mais avultados.
Leonardo
da Vinci, de Walter Isaacson (Intrínseca, 2017), é uma biografia e tem mais
de 600 páginas: acabo de devorá-lo com enorme entusiasmo!
Por que? Para tentar conhecer melhor
aquele que talvez tenha sido o homem mais brilhante de toda a Renascença, para
não dizer de todos os tempos e ser acusado de exagero.
O livro não se destaca
por suas qualidades literárias e sim pelas peripécias do biografado.
Ao final, Isaacson enumera
alguns conselhos de Leonardo, anotados em seus incontáveis cadernos, e que
traduzem bem as ideias do gênio e representam uma maneira de ser. São eles:
“Seja
curioso, incansavelmente curioso.
Busque
o conhecimento pelo simples prazer da busca.
Conserve
a capacidade das crianças de se maravilhar.
Observe.
Comece
pelos detalhes.
Veja
o que está invisível.
Mergulhe
no desconhecido.
Distraia-se.
Respeite
os fatos.
Procrastine.
Faça
com que o perfeito seja inimigo do bom.
Pense
visualmente.
Evite
fechar horizontes.
Faça
com que seu alcance seja maior do que sua compreensão.”
Alimente
sua fantasia.
Crie
para você, não só para os patronos.
Trabalhe
em conjunto.
Faça
listas.
Faça
anotações – no papel.
Esteja
aberto ao mistério.”
Leonardo seguiu ao pé da letra isso
que registrou, é fruto da experiência. Um desses conselhos – procrastine
– dominou toda sua vida, o que explica a enorme quantidade de obras inacabadas
ou nunca começadas. Colaborou igualmente para tais fatos o conselho distraia-se, bastante utilizado por ele. O gênio tinha
muito de humano.
Outro: crie para você, não só para os patronos, explica por que Leonardo,
ao morrer, tinha em seu quarto a Mona Lisa.
Ao
vê-la no Louvre, alguns desdenham a obra, Quadrino pequeno, Pura fama, Não tem
nada demais, Há pinturas muito melhores... Depois de ler o livro de Isaacson e
olhar o quadro com redobrada atenção, então é possível apreender seu justo
valor, uma das obras mais importantes de todos os tempos.