terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Duas respostas a Suzete



            Havia prometido a mim mesmo que jamais voltaria a ler outro livro do Marcelo Mirisola: perda de tempo, aquele repetir-se repetir-se repetir-se. Até que surge a provocação de Suzete, inesperada, surpreendente, atrevida mesmo. Mas não é que ela está cada dia mais sabida? (A história de cortar cabelo de homem, acho que virou passatempo, ela é mesmo uma ótima leitora/escritora.)
            Na carta anterior a da provocação, Suzete afirma: “Escrevo principalmente para dizer que virei aquela página”, referindo-se ao assassinato no salão. Gostei da expressão “virar a página”. Significa que o passado não foi esquecido, ele está lá, registrado in totum no livro da vida, nenhum detalhe menosprezado, porém é passado, à medida que a página foi virada. Ao virá-la, surge uma nova página, em branco, pronta para ser preenchida por vivências ou escrita, se quem a virou tem o hábito de escrever. “E la nave va...”
            Voltemos ao Mirisola. Parece que o homem agora se mostra por inteiro, surpreendendo o leitor com uma confissão incrível, humana, sincera. Lá pelo fim do livro citado por Suzete, Como se me fumasse (Editora 34, 2017), o autor assinala:

“...o jovem, a lufada de oxigênio, o cara que espanou a poeira das letras brasileiras e escancarou as porteiras de um gênero fora de moda que teve seu auge, aqui no Brasil, nos 70; logo eu, o responsável pelo ressurgimento do conto: lugar onde Borges, Cortázar, João Antônio e tantos outros reinaram, deitaram e rolaram. Logo eu que escrevia contos porque não conseguia escrever um romance. Com um agravante que seria notado somente dez anos depois, e que contaminaria desde a legião de pangarés diluidores de praxe até notórios figurões das artes e do samba: escrevo deliberadamente na primeira pessoa, e assino meu nome em baixo, sem pudores nem disfarces. Eu quero é rosetar! Não fiz essa merda toda por descuido, era minha intenção embaralhar autor e narrador, atingi meu objetivo. Eu mesmo, o Pedro Álvares Cabral da autoficção no Brasil, misturei as coisas e caí na minha própria armadilha, alucinei.”

            Eis a confissão: “embaralhar autor e narrador”, este foi o truque utilizado por Mirisola, e que pegou críticos e leitores com as calças na mão, desde o lançamento de Fátima fez os pés para mostrar na choperia. Não apenas isso; acrescento o ritmo alucinante da escrita, cheia de humor.
            Ora, segredo porra nenhuma, todo mundo sabia disso. Quem gostava, gostava, quem não gostava...
            O resultado da repetição foi que o autor caiu na própria armadilha. Mesmo assim, continua escrevendo, publicando livros, repetindo, confessando, alucinando, etc.

Os que apreciam Mirisola continuam lendo Mirisola. Suzete e eu, por exemplo. Eu, mais ou menos...