Não é segredo para os raros leitores que me acompanham nesse blog que sou louco por futebol, além de cachorros, ainda mais em tempos de pandemia, e vou logo dizendo que adorei o retorno dos jogos pela tevê, sou totalmente a favor, mesmo sem torcida, os jogadores testados continuamente, com todos os cuidados possíveis contra a peste. Mas a bola rolando.
Entre um programa e outro, mudo de canal e vejo que estão jogando dois times bem fraquinhos, não lhes aponto os nomes para não ofender possíveis torcedores. Com agravante: jogam pela Série B do Campeonato Brasileiro. Continuo assistindo mesmo assim. Zero a zero, muitos erros de passe, técnica pobríssima, os dois times recuados, com medo de atacar, aparentemente satisfeitos com o empate. Continuo assistindo mesmo assim.
De repente, o meia armador do time da casa dá um belo passe de primeira para o ponta direita que dribla o lateral, avança até a linha de fundo e cruza forte à meia altura rente à trave. O centroavante se antecipa ao goleiro e com o peito empurra a pelota para dentro do gol. Gol! Golaço! GOLAÇO!
Por isso continuo assistindo mesmo assim: pela imprevisibilidade, pela surpresa, pela jogada genial desferida por jogador desconhecido e que nunca mais fará algo igual, pelo belíssimo gol inesperado – momento de felicidade.
Um a zero para o time da casa, faltando 20 minutos para acabar o jogo. Começa a cera. O goleiro demora para bater o tiro-de-meta, ninguém quer bater o lateral, inicia-se o cai-cai, todos reclamam do árbitro, não tem mais jogo. Pior, os gandulas (da casa) custam para repor a bola em jogo, até que um deles é expulso.
Nesse ponto é que retorno à infância: meu pai, eu, e o irmão mais novo, sempre a meu lado, sentados em uma arquibancada, torcendo pela Esportiva de Guaratinguetá, jogo duro contra o Bragantino, timaço já naquela época, da chamada Segunda Divisão. Estamos ganhado de um a zero. Jorjão, crioulo de 2 metros de altura por 3 de largura, beque central de chute potentíssimo, isola a bola em direção à arquibancada, o torcedor que a pega não a devolve para o campo, esconde a bola debaixo do assento, a torcida grita de satisfação – a torcida urra de alegria! –, o juiz pede providências ao chefe de polícia que nada pode fazer, o jogo está parado.
(Interrompo aqui esta vibrante narrativa porque uma explicação se faz necessária. Naquele tempo se jogava com uma única bola! Se era chutada para fora do campo, era preciso esperar pelo retorno da mesma, para o reinício do jogo. Excepcionalmente havia permissão para substituição da bola pelo juiz (não se usava a palavra árbitro), não me perguntem a razão de tal procedimento, não saberia responder.)
Voltemos à arquibancada da Esportiva. Durante o impasse, o jogo interrompido, eu, menino, observo de soslaio a reação de meu pai diante de algo visivelmente irregular, até mesmo para o julgamento de um menino – a bola sequestrada por um torcedor porque estamos ganhando de um a zero. Meu pai ri à solta! Ele tão severo, tão cumpridor, acima de tudo respeitador da lei e da ordem e da moral, apenas ri, alegre e divertidamente. Observo e compartilho com ele daquele momento de intimidade mágica. (Tempo da inocência, que não existe mais: hoje o gandula é expulso de campo.)
Enfim a bola é devolvida sob efusivos apupos e o jogo reinicia, faltando 20 minutos para o apito final. A catimba persiste até a vitória!
Por essas e por outras é que hoje teimo em assistir até o joguinho ruim da Série B.