segunda-feira, 12 de abril de 2021

comunhão

 

eu creio

tu não crês

nossos olhos descerram névoas

 

no entanto nos vemos 

com a nitidez dos opostos

ofereço a ti a minha fé

de todo coração

tu me ofereces a tua descrença

com todo sentimento

 

tua descrença me ampara

e torna livre a minha comunhão 

minha fé te acolhe

brando aroma difuso

 

o que nos une é o banho dos pássaros 

                                    [na água da fonte

a banalidade do mundo

a efemeridade dos dias

alguma música

algum verso

não nos ocupamos com certezas

basta-nos habitar o reino das palavras



                          Paulo Sergio Viana

 



Poema publicado originalmente em: 


https://blogdopaulosergioviana.blogspot.com/2021/04/comunhao.html


O sonho de Picasso



 

Aos 75 anos de idade Pablo Picasso teve um sonho. Andava solteiro por aqueles dias, trabalhando em casa, quando a campainha tocou. Foi atender, era Brigite Bardot que viera lhe fazer uma visita. Maravilhado, Picasso convidou-a para entrar e conhecer o ateliê dele.

            Brigite, com seu ar ingênuo de menina, mais linda do que nunca, mais sedutora do que nunca, trajava primaveril vestido rodado, de farto decote a descobrir os fartos seios. Picasso, mais bobo do que nunca.

            De braço dado com Brigite, o artista lhe mostrava embevecido suas criações, esculturas em madeira, em pedra, em argila, uma cabeça de touro feita com um guidão de bicicleta, arte de onde parecia impossível fazer arte, as telas todas, as mulheres todas de uma vida inteira, os desenhos, ah! os desenhos! 

            Picasso parou nos desenhos eróticos, eram cadernos e mais cadernos, folhas soltas de todos os tamanhos, tudo ali, explícito, diante da moça embevecida. Até que, nem tão ingênua assim, ela desconfiou que se tratava de uma cantada, cantada artística! Fechou a cara.

            Picasso percebeu a recusa, procurou remediar lhe ofertando um presente: ali mesmo, num átimo, pegou de um prato, desenhou em azul uma pomba da paz, e Brigite voltou a sorrir. (Freud diria que aquele expediente foi um artifício do inconsciente para que o sonho não terminasse.)

            Ao acordar, antes mesmo do café com brioche, Picasso pintou mais uma mulher. De fartos seios.

Gato preto

 


saiu do bueiro

do outro lado da grade

me olha prisioneiro


Foto: Mercêdes Fabiana, abr 2021

Leitor precavido

Ele sempre comprou mais livros do que era capaz de ler; era criticado por isso. Hoje, isolado, pode usufruir de sua biblioteca.

Aprendizado forçado

 

Era fanático por futebol, dentre outros motivos, porque seu time o ensinava a perder.