“Os cientistas cognitivos Steven Sloman e Philip Fernbach sustentam que nossos cérebros foram projetados para não guardar detalhes justamente para maximizar a capacidade de fazer generalizações.”
O trecho acima está na crônica de ontem (12 fev 2021) de Hélio Schwartsman: O esquecimento como virtude, para a Folha de S. Paulo.
O ponto de partida para o tema foi a recente decisão do STF em não reconhecer o direito ao esquecimento. Ainda bem que foi assim. Porém, alerta o articulista: “Daí não decorre que o esquecimento não seja, tanto quanto a memória, um ingrediente importante para o bom funcionamento da sociedade e do próprio cérebro humano. A razão pela qual humanos não temos uma memória perfeita não é de bioengenharia. Existe uma síndrome rara, a hipertimesia, que faz com que seus portadores se lembrem de praticamente tudo — algo próximo ao que Jorge Luis Borges descreveu no conto "Funes, o Memorioso".”
O mais interessante dessa história, e que destaco aqui como epígrafe, é a descoberta de que é preciso haver espaço no cérebro para as abstrações; inundado por fatos, resta ao cérebro apenas lidar com eles, perdendo a capacidade de construir generalizações. Isso me parece uma grande novidade. Costumamos dizer: é preciso haver tempo para pensar. Agora acrescentamos: é preciso haver espaço para pensar.
(Conheci de perto uma pessoa que exibia memória espantosa. Guardava as placas de carros que via no estacionamento de onde trabalhávamos; cpfs para ele eram fichinha; os registros de prontuários milagrosamente guardados. Ao longo do tempo essa característica se agravou de tal modo que, quando não havia fatos para memorizar, ele os inventava, e a partir de então os tomava por verdade; surgiu daí um mitômano.)
Schwartsman conclui de modo brilhante: “A vida social também depende de esquecimentos, que às vezes chamamos de perdão.” Sob tal perspectiva, a palavra perdão aparece despida de qualquer conotação religiosa, significando tão somente uma certa função cerebral, a de oferecer espaço para o bom convívio social.
Em tempo, é preciso reconhecer a importância da ficção. Borges antecipou isso tudo no espantoso conto citado por Schwartsman! O final de Funes, o memorioso, foi trágico!
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2021/02/o-esquecimento-como-virtude.shtml