O excelente Histórias da gente brasileira, Império, volume
2, de autoria de Mary Del Priore (Leya Editora, 2016), dá uma ótima ideia
da situação em que vivia o povo nas diversas regiões do Brasil, e em particular
da violência que grassava nos tempos do Império.
Priore nos
conta o que foi a Balaiada, no Maranhão, na primeira metade do século XIX,
“tempos de barbárie”, segundo ela. O relato que se segue é bem ilustrativo.
Manoel dos
Anjos, o Balaio, atentou contra a honra da filha do major Juvêncio que,
revoltado, “golpeou” o Balaio no rosto. O revide foi imediato. Transcrevo
registro do acontecido efetuado por Viriato Correa, a partir de documento
deixado pelo historiador maranhense Jerônimo de Viveiros:
“O Balaio, no meio da varanda, estava lívido,
estarrecido, o olhar encima do fazendeiro chispando... João Vitório e Guariba, dois
facínoras que acolitavam o chefe, atiraram-se a Juvêncio... – Não matem! Segurem o homem apenas! Eu mesmo
quero vingar. Nunca ninguém me deu na cara. Levem o velho para fora, aí na
frente de casa. Balaio prepara-se para atirar na cara do major, mas, rápido,
tem uma lembrança e manda que dispam o velho, tragam uma agulha de saco, fio
forte, uma faca e o leitãozinho que há pouco tinha recebido de presente. A sorrir,
passou a mão pelo ventre de Juvêncio, e foi um golpe só, golpe firme de
cirurgião, do estômago às virilhas. Com a mão esquerda pôs para fora as
vísceras da vítima, e com a direita, empurrou-lhe o leitão ventre adentro. O
animal esperneou em arrancos, guinchando desesperadamente. – Ajuda aqui, Ruivo,
depressa! Calca, enquanto eu coso. E foi cosendo, cosendo toda a ferida...
Vinham lá de dentro do ventre sangrento, cada vez mais abafados, cada vez mais
surdos, os grunhidos do porquinho. Cenas horripilantes repetiram-se na
Balaiada, espalhando o terror por todas as fazendas do rico vale do Itapicuru.”
Nem mesmo Quentin Tarantino seria capaz de imaginar cena
de tamanha violência e crueldade. O episódio em si, por mais repugnante que
seja, deu-me o que pensar e pode ser resumido numa frase: O Desejo De Colocar
Um Bicho Dentro Do Outro. Para o Balaio, todos não passavam de bichos, alguns
disfarçados de gente. E ele desejava que seu inimigo engravidasse de um porco,
que gerasse um porco, e parisse um porco, em vez da cobiçada e proibida moça,
filha do major. Vingança maior não poderia haver.
Segundo Priore, este era o estado de coisas na época:
povo bruto, violento, ignorante, sujo, bárbaro. Nossos primórdios. Ao tomarmos conhecimento deles, compreendemos
melhor o presente. Este o papel da História.