O colega estava em apuros.
Vivia taciturno cabisbaixo ensimesmado macambúzio, calado
calado. Verdade que sempre fora fechado, não era desses de ir se abrindo com
qualquer um, mesmo com os colegas mais chegados. Que amigos mesmo, parece que
não os tinha.
Mas agora estava demais. Pela manhã, quando chegava no
trabalho, as feições eram sempre de quem passara a noite insone, a rolar na
cama, cara amassada, olheiras fundas, olhos injetados sanguíneos – talvez é
certo que tivesse chorado. Emagrecera, era visível. De dar pena, o colega.
Havia rumores. A situação era propícia a diz-que diz-que,
que as más línguas estão sempre afiadas prontas para envenenar até mesmo o que
já está estragado. Confesso que este defeito não possuo, o da maledicência:
aprendi com meus avós por parte de pai, discretíssimos sempre, incapazes de uma
fofoca, de um comentário maldoso, de uma leviandade. Portanto, a virtude, se
há, não é originária em mim, é herdada, recebi de graça este presente de meu
pai, que por sua vez recebeu dos pais dele. Inventaram até um nome complicado
para isso: transgeracionalidade! Acredito nisso! Porque passei adiante,
acreditem se quiserem, minhas duas filhas também são assim, avessas à
maledicência.
Se por um lado eu não queria jogar mais lenha na
fogueira, por outro, e não sei bem por quê, ou talvez saiba – quem nunca passou
por um aperto? – eu me sentia na obrigação de fazer alguma coisa, de socorrer o
colega. Meter-se nessas coisas é perigoso, alertou-me meu amigo Paulo, embora
ele também estivesse preocupado. Ele está mal, mas não me atrevo a tocar no
assunto por falta de intimidade: tem mulher nessa história... Não passou daí o
comentário de Paulo, e mais não perguntei.
Situação delicada.
Resolvi falar ao colega. Bem verdade que amigo dele eu
não era, não havia intimidade tampouco, conversas dessas requerem confiança
mútua, e se não há confiança e intimidade até mesmo a abordagem do assunto fica
difícil, o constrangimento se instala antes do primeiro olhar, perde-se a
espontaneidade, cada mão tem vinte dedos ao cumprimento inicial. Se ele ao
menos tivesse um cachorro, se gostasse de cachorro, nós bem que podíamos
iniciar o papo sobre cachorros. Mas já se sabe que ele não tem amigos.
Então, uma intromissão indevida? Assim mesmo, com pleonasmo
e tudo? Ele não me mediu ajuda, não é meu amigo, é apenas colega, cogitei. E
reservadíssimo, calado calado, pensei. E se tudo não passar de fofoca, se não
tiver mulher na história, ponderei. Mas aquelas olheiras tristes, os olhos
injetados sanguíneos, talvez é certo que tivesse chorado, senti.
Bati na porta de seu gabinete com três toques tímidos.
Convidou-me a entrar, ofereceu cadeira, sentou-se atrás
de uma mesa larga que nos mantinha a considerável distância, na parede uma
fotografia do papa, perguntou como eu estava, falou alguma coisa do trabalho da
qual não me lembro mais, e se respondi também não me lembro, a conversa ficou
assim assim boiando boiando num mar de constrangimento. Foram aquelas olheiras
tristíssimas – uma evidência, portanto – que me deram forças para falar:
Vasconcelos, acho que você está com problemas. Posso ajuda-lo?
O silêncio que se seguiu podia ser mensurado em séculos.
Até que ele falou: André, reze por mim.
Mais não disse, mais não perguntei, inspirado em meus
avós por parte de pai, discretíssimos. Confesso que saí da sala bem atordoado.