Querido André,
eles não sabem, ninguém
sabe, só nós dois sabemos, você soube contar essa história tão bem, e até
publicá-la em livro e no Louco – o belíssimo Folhetim –, de tal modo que agora
posso contar a verdade e acho que isso não vai fazer a menor diferença porque
ninguém vai entender nada, tão complicada tornou-se a trama, tantos
personagens, parecida com esses filmes sobre espionagem que quando acabam a
gente diz que não entendeu nada. Há!
André – e por isso esta intimidade –, você era o homem
triste, o homem mais triste que já conheci, quando cortei seu cabelo pela
primeira vez. Então decidi escrever diretamente a você, sem intermediários, sem
subterfúgios (aprendi esta palavra com o Evandro Affonso Ferreira, indicação
sua), sem meias-palavras, e esta era a verdade que precisava contar, na
esperança que a torne pública em seu já famoso blog.
Mas aquela história ficou para trás. Os tempos agora são
outros, você já não está triste, vamos rompendo.
Escrevo para contar que estive em Portugal! Você
acredita?! Verdade, conheci Lisboa, para mim a cidade mais linda da Europa,
justamente porque foi a única que conheci na Europa até agora. (Escrevo isso
pensando que assim o diriam os portugueses, no seu modo enviesado de dizer as
coisas, enviesado para nós, que para eles é o modo mais direto e óbvio de dizer
as coisas.) Fui ao primeiro Congresso Ibero-Americano de Cabeleireiros,
Manicures, Pedicures e Afins. Dá para acreditar?! Veja você, verdade
verdadeira! (Ups!, li no seu livro 47
cenas de um romance familiar que seu pai brigava com sua mãe porque ela usa
esta expressão e ele dizia que isso não existia, que verdade só podia ser
verdadeira...)
Explico. Cabeleireiros, manicures, pedicures e afins,
segundo os próprios portugueses, mudaram a cara de Portugal. Como? Conversando.
Você sabe que esta raça de cabeleireiros, manicures, pedicures e afins gosta de
conversar, e foi conversando que passou a influir até no modo de falar dos
gajos. Eles estão abrindo as vogais, pá!
E sabe sobre o que tanto conversam brasileiras e
portuguesas? Sobre novelas, ao famosas novelas brasileiras. O astro, Escrava
Isaura, Mulher sem destino, A sombra de Rebeca, O tronco do ipê, Casa de
pensão, Insensato coração, Estrada do pecado, Meu pedacinho de chão, Ilusões
perdidas, a lista não tem fim, você que gosta de listas, e parece que,
atualmente, a que faz o maior sucesso chama-se Vale a pena ver de novo, no
horário da tarde. Confesso que não entendo nada de novelas, não troco um livro
por qualquer uma delas, as colegas portuguesas queriam saber o final desta ou
daquela história e eu não sabia o que dizer, mas não posso menosprezar as novelas
brasileiras: pagaram-me passagem e estada em Lisboa durante uma semana! Um luxo
só!
Usos e
costumes estão mudando, e tem até gente escrevendo tese de mestrado sobre o
fenômeno. (Aliás, esse pessoal da Academia, lá como aqui, basta um peido atravessado
e já estão escrevendo uma tese.) (Desculpe-me, voltei a ler Marcelo
Mirisola...)
Os organizadores do Congresso souberam que gosto de ler e
escrever pelo Louco por cachorros! Você acredita? O Louco chegou a Portugal! Então
me convidaram para que eu contasse minha experiência de cabeleireira e leitora,
dos preconceitos que tenho sofrido, da inveja das colegas de trabalho, tudo
isso, coisas boas e coisas não tão boas, como na vida. Contei tudinho, de como
comprava meus livros em sebos, de como lia entre um corte e outro, minha
preferência por cabelo de homem, dos clientes que estranhavam e ainda estranham
esse meu hábito – puro preconceito –, até de você eu falei, sei lá se isso
interessava a eles, mas fui falando falando falando (aprendi isso com você e
gosto muito, repetir três vezes a mesma palavra sem usar vírgulas, acho que se
chama linguagem oral, sei lá) falei durante quase duas horas, acredita?, e fui
aplaudidíssima ao final! Não é muito chique isso tudo, André?
Já estou de volta ao Brasil, de modo que não tive a
oportunidade de procurar o Manoel, que anda pelas ruas de Lisboa por onde
caminhava Pessoa! Morri de inveja.
Bem, vou terminando minha cartinha, era só um alô, cheio
de saudade. Depois escrevo mais.
Um grande
beijo de quem o ama,
Suzete.