Aqueles que escrevem, mesmo
que não se considerem escritores, embora o sejam, sabem do problema da primeira
frase. O tiro de partida, o princípio de uma história, se começa mal há de
terminar pior, teme aquele que escreve, e se tive bom começo há de se
desenvolver bem e terminar ainda melhor.
Há que se concentrar na primeira frase, uma espécie de
tudo-ou-nada para o início de um texto. Tanto que, para alguns, e não são poucos,
a história nem começa, travada empacada obstruída por algum enrosco na cabeça
do escritor, que impede a partida e não se desenvolve nunca. Perde-se no tempo
uma história. A frustração daquele que escreve então é monstruosa devastadora
deprimente.
Resolvi colecionar algumas primeiras frases, talvez como
estímulo aos que escrevem. Começo com
Luiz Ruffato, com o conto O dia em
que encontrei meu pai (página 45), do
livro A cidade dorme (Companhia das
Letras, 2018). http://loucoporcachorros.blogspot.com.br/2018/03/a-cidade-dorme.html
Eis a frase:
“Minha mãe não acreditou quando eu disse que
havia encontrado com meu pai.”
Sua simplicidade é notável, o narrador fala na
primeira pessoa. A história tem início com duas palavras-chave: “minha mãe”. Em
seguida, uma negativa forte: [ela] “não acreditou”.
Tem início a
descrição da relação entre filho e sua mãe, pois o filho conta alguma coisa – “quando
eu disse” – e a mão ouve, dá valor, leva em consideração; pode-se supor a
partir daí uma boa relação entre ambos, pois eles conversam.
O narrador, talvez um menino ainda, ou adolescente,
informa à mãe que “havia encontrado”, sugerindo tratar-se de um fato
extraordinário, improvável e imprevisto, o que leva às alturas a emoção contida
até então na frase, antes mesmo de seu término.
E esta introdução ao conto – a primeira frase – termina “com
meu pai”, o que completa o sentido de toda uma ideia. O narrador não disse que
encontrou o pai, mas sim “com” o pai. Houve um encontro de fato.
E por que a mãe
não teria acreditado? Que pai é esse? Onde esteve durante todo esse tempo a
ponto de tornar o encontro com o filho algo inacreditável? O que conversaram
durante tal encontro, se é que conversaram? Que suspense criado por uma única
frase!
Não desejo e nem é conveniente antecipar aqui o
desenrolar da história, mas posso afirmar que toda ela está contida nesta
primeira frase. A partir daí Ruffato desenvolve sua história magistralmente,
digna de figurar nas melhores antologias.
Resta uma questão a ser respondida, pelo menos na curiosa
mente deste blogueiro. Teria o autor de fato utilizado esta frase como ponto de
partida para o conto, ou ela surgiu ao final, a história já composta, durante a
edição tão necessária para o aprimoramento do texto? A menos que perguntemos para
o autor, nunca saberemos. De qualquer modo, a frase é ótima!