Há poucos dias postei neste blog a crônica O diário de Boris
Fausto, expressando minha opinião sobre O
brilho do bronze (Cosacnaify, 2014), livro recém publicado pelo famoso historiador,
um diário iniciado após a morte da querida esposa, com quem esteve casado por
40 anos. (http://loucoporcachorros.blogspot.com.br/2014/12/o-diario-de-boris-fausto.html).
Naquele momento, dizia-me frustrado, porque o autor – um escritor experiente –
não assumiu publicamente o valor terapêutico da escrita, particularmente para
quem precisava vivenciar o luto e desejava vencê-lo.
Hoje
deparo-me com a entrevista de Fausto a Marco Rodrigo Almeida, intitulada O
historiador e o luto, na Folha de São Paulo (21/12/2014), na página de
Literatura do caderno Ilustríssima. O jornalista pergunta, “A escrita pode ser
um consolo?” Boris responde:
“Acho que ajuda, pois você inventa uma
missão na vida. Corta um pouco aquela sensação de que nada mais tem sentido.
Escrever foi bom, foi útil, mas foi muito penoso em certos momentos.”
Volto ao tema, pois julgo
interessante comentar alguns aspectos desta resposta, que contém aspectos conflitantes
em meu ponto de vista.
Comecemos
pela última frase: é claro que é sempre penoso enfrentar o processo do luto, e
não, fugir dele. Não só no ato da escrita, mas em todos os momentos da vida
cotidiana, após uma grande perda. Tudo traz a lembrança do ente querido, e o
consequente sofrimento; evitá-lo (recalcá-lo) não parece a melhor solução
psíquica, pois o recalcado sempre retorna.
Ao
passo que, “inventar uma missão na vida”, pode ajudar, mas me parece muito mais
um não-enfrentamento, uma fuga, um subterfúgio, apenas um consolo, e como todo
consolo, tem efeito transitório. Isso não é viver o processo do luto.
Boris
tem razão, a “sensação de que nada mais tem sentido” é sentimento
característico da pessoa enlutada. Confunde-se muitas vezes com a doença
chamada Depressão, mas luto não é doença. Nesse ponto é que a escrita pode
ajudar, não como consolo, mas como um
aprofundamento psíquico no processo de elaboração do luto.
O
que a escrita pode fazer é ajudar a organizar os pensamentos e emoções que nos
invadem quando estamos tomados pela dor da perda. A este processo chamo de
função terapêutica da escrita. Escrever é mergulhar profundamente no próprio
Eu, o que, de fato, pode ser muito penoso. Ao final desta experiência, um novo
ser pode emergir.
Ainda na referida entrevista, o
jornalista pergunta, “O senhor não tem religião, mas cita no livro um trecho do
“Diário do luto”, que Roland Barthes escreveu após a morte da mãe: “Que
barbárie não acreditar nas almas, na imortalidade das almas! Que verdade
imbecil é o materialismo.” Ficou tentado a se apegar à fé?”
Ao que Fausto responde: “Eu concordo
com o Barthes (risos). Pouco depois da morte da Cynira, eu vi “Além da Vida” (2010),
o filme de Clint Eastwood no qual vivos e mortos trocam experiências. Eu saí do
cinema eufórico, dizendo “é isso aí, vou me encontrar com Cynira”. Porque não
era Jesus quem afirmava, era o Clint. Ele é mais confiável (risos).”
Embora este curto diálogo tenha se
passado entre risos, trata-se de um assunto seríssimo, o dilema entre os que
creem e os que não creem, diante das agruras desta vida. O tema cabe
perfeitamente quando se discute o processo do luto, tanto para uns quanto para
outros. Não é preciso mudar de ponto de vista quanto à crença ou não crença, ao
se vivenciar o luto. O que não se pode é fugir do processo, escamoteá-lo, em
busca apenas de um consolo.
Pode-se tratar do assunto apenas
como literatura, o que certamente tem seu valor, pois é o relato de uma
experiência de vida, ou aproveitar-se da escrita como elemento fundamental no
processo de vivenciar o próprio luto, e vencê-lo.