quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Quartetos dissonantes

Mais 47 cenas de um romance familiar

O pai dizia pau, a mãe falava pedra, o pai vinho, a mãe água. Em tudo e por tudo defendiam com veemência pontos de vista opostos. Aprendi a abotoar a camisa de baixo para cima, segundo instruções de minha mãe, e de cima para baixo, de acordo com meu pai.
            Muitas vezes, apenas por pirraça. Ou cizânia azedume agastamento arranca-rabo malquerença chaça porfia quizila implicância cisma rusga testilha arenga paliota peguilha rebordosa querela. O motivo não importava.
            Certa vez, entretanto, o pomo da discórdia – maçã oferecida pela deusa Discórdia à mais bela – assumiu grande sofisticação, acompanhada de alguma graça e humor, o que justifica ser acrescida à Mais 47 cenas
A mãe apreciava a música erudita (o pai nem tanto, preferia o tango). Gostava dos clássicos, Bach, Mozart, Brahms, Chopin, mas Beethoven era um deus, acima de tudo e de todos. E era bastante razoável o senso crítico desenvolvido por ela, às vezes surpreendente:
     – A obra para piano de Chopin é magistral, mas os dois concertos para piano pecam pela fraca orquestração.
            Era peculiar a crítica que ela fazia a Villa-Lobos: adorava as Bachianas, não suportava sua música de câmera. Chamava de “barulhentos” os quartetos para cordas do ilustre brasileiro.
            Até que um dia, para espanto geral, o pai saiu-se com esta:
            – Fulano (não me recordo do nome) afirmou que os quartetos para cordas de Villa-Lobos estão acima de até mesmo dos quartetos de Beethoven.
            Não posso imaginar de onde o pai tirou tal ideia, já que não costumava interessar-se pelo assunto, mas a afirmação caiu como uma bomba, pois ao mesmo tempo que enaltecia os quartetos de Villa-Lobos, depreciava Beethoven, o que era realmente ofensivo.
            Cizânias.
            

Ainda sobre o hífen



REFORMA ORTOGRÁFICA: Hífen - prefixação
O caso dos prefixos e falsos prefixos
Márcia Lígia Guidin*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
COM PREFIXOS OU FALSOS PREFIXOS
PREFIXOS
OU FALSOS
PREFIXOS
REGRAS
EXEMPLOS
OBSERVAÇÕES;
SAIBA MAIS 
Vogais iguais
1. Usa-se o hífen quando o prefixo e o segundo elemento juntam-se com amesma vogal.
anti-ibérico,
auto-organização,
contra-almirante,
infra-axilar,
micro-ondas,
neo-ortodoxo,
sobre-elevação,
anti-inflamatório.
Mas os prefixos coproprere se juntam ao segundo elemento, ainda que este inicie pelas vogais o ou ecoocupar, coorganizar, coautor, coirmão, cooperar, preenchimento, preexistir, preestabelecer, proeminente, propor reeducação, reeleição, reescrita
Vogais diferentes
2. Não se usa o hífen quando os elementos se unem com vogais diferentes.
autoescola, autoajuda, autoafirmação, semiaberto, semiárido, semiobscuridade, contraordem, contraindicação, extraoficial, neoexpressionista, intraocular, semiaberto, semiárido.
Consoantes iguais
3. Usa-se o hífen se a consoante do final do prefixo for igual à do início do segundo elemento. 
inter-racial,
super-revista,
hiper-raquítico,
sub-brigadeiro.
Se o segundo elemento começa com sr
4. Não há hífen quando o segundo elemento começa com s ou r; nesse caso, duplicam-se as consoantes. 
antirreligioso, minissaia, ultrassecreto, ultrassom. 
Porém, coforme a regra anterior, com prefixos hiper, inter, super, deve-se manter o hífen:
hiper-realista,
inter-racial,
super-racional,
super-resistente
Se o segundo elemento começa com hmn, ou com vogais
5. Usa-se o hífen: se o primeiro elemento, terminado em m ou n, unir-se com as vogais ou consoantes hm ou n.
circum-murado,
circum-navegação,
pan-hispânico,
pan-africano,
pan-americano.
Ex, sota, soto, vice
6. Usa-se hífen com os prefixos: exsotasotovice
ex-almirante,
ex-presidente,
sota-piloto,
soto-pôr,
vice-almirante,
vice-rei.
Escreva, porém, sobrepor
Pré, pós, pró 
7. Usa-se hífen com os prefixos pré, pós, pró (tônicos e acentuados com autonomia). 
pré-escolar,
pré-nupcial,
pós-graduação,
pós-tônico,
pós-cirúrgico,
pró-reitor,
pró-ativo,
pós-auricular.
Se os prefixos não forem autônomos, não haverá hífen: predeterminado, pressupor, pospor, propor.
O prefixo termina em vogalou r e b e o segundo elemento se inicia com h
8. Usa-se o hífen quando o prefixo termina em rb ou vogais e o segundo elemento começa com h.
anti-herói,
inter-hemisférico,
sub-humano,
anti-hemorrágico,
bio-histórico,
super-homem,
giga-hertz,
poli-hidratação,
geo-história.
A) Mas as grafias consagradas serão mantidas: reidratar, desumano, inábil, reabituar, reabilitar, reaver.
B) Se houver perda do som da vogal final, prefere-se não usar hífen e eliminar o hcloridrato (cloro+hidrato), clorídrico (cloro+hídrico). 
Sufixos de origem tupi
9. Usa-se o hífen com sufixo de origem tupi, quando a pronúncia exige distinção dos elementos.
Anajá-mirim,
Ceará-mirim,
capim-açu,
andá-açu,
amoré-guaçu.
Este quadro está apoiado nas obras:
BECHARA, Evanildo. O que muda com o Novo Acordo Ortográfico. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2008.
INSTITUTO ANTÔNIO HOUAISS. Escrevendo pela Nova Ortografia. Rio de Janeiro/São Paulo, Houaiss/Publifolha, 2008.
GOMES, Francisco Álvaro. O acordo ortográfico. Porto, Porto Editora, 2008.



Peixe-pedra

fotominimalismo




Foto: Paula Vianna, Austrália, 2017

Suzete e o hífen

Querida Suzete,

respondo suas cartinhas com grande prazer, mas dessa vez vou ser bastante específico. (Talvez só você leia esse texto, ninguém mais, tão árido e desinteressante. Talvez nem você...)
Você perguntou e respondo: por que mal-encarado tem hífen e malvestido não tem? 
Pedi socorro a Paula Perin dos Santos, que pretende descomplicar o uso do hífen. Achei interessante e reproduzo aqui. 

Regra Geral

A letra “H” é uma letra sem personalidade, sem som e, portanto, não deve aparecer encostado em prefixos:

pré-história   anti-higiênico   sub-hepático   super-homem

Letras IGUAIS, SEPARA. Letras DIFERENTES, JUNTA.

anti-inflamatório                             neoliberalismo
supra-auricular                               extraoficial
arqui-inimigo                                  semicírculo
sub-bibliotecário                             superintendente

Quanto ao "R" e o "S", se o prefixo terminar em vogal, a consoante deverá ser dobrada:

suprarrenal (supra+renal)   ultrassonografia (ultra+sonografia)
minissaia   antisséptico   contrarregra  megassaia

Entretanto, se o prefixo terminar em consoante, não se unem de jeito nenhum. 

sub-reino   ab-rogar  sob-roda

ATENÇÃO! Quando dois “R” ou “S” se encontrarem, permanece a regra geral: letras iguais, SEPARA. 

super-requintado   super-realista   inter-resistente

CONTINUAMOS A USAR O HÍFEN:

Depois dos prefixos “ex-, sota-, soto-, vice- e vizo-“:

ex-diretor   ex-hospedeira   sota-piloto soto-mestre   vice-presidente vizo-rei

Depois de “pós-, pré- e pró-“, quando TEM SOM FORTE E ACENTO:

pós-tônico, pré-escolar, pré-natal, pró-labore, pró-africano, pró-europeu, pós-graduação

Depois de "pan-", "circum-", quando juntos de vogais:

Pan-americano, circum-escola

OBS. “Circunferência” – é junto, pois está diante da consoante “F”.
NOTA: Veja como fica estranha a pronúncia se não usarmos o hífen:
Exesposa, sotapiloto, panamericano, vicesuplente, circumescola.

ATENÇÃO! Não se usa o hífen após os prefixos “CO-, RE-, PRE” (SEM ACENTO)

coordenar   reedição  preestabelecer   coordenação refazer   preexistir
coordenador   reescrever  prever   coobrigar    relembrar   cooperação  reutilização   cooperativa   reelaborar

O ideal para memorizar essas regras, lembre-se, é conhecer e usar pelo menos uma palavra de cada prefixo. Quando bater a dúvida numa palavra, compare-a à palavra que você já sabe e escreva-a duas vezes: numa você usa o hífen, na outra não. Qual a certa? Confie na sua memória! Uma delas vai te parecer mais familiar. 


RESUMO DA REGRA GERAL 

Letras iguais, separa com hífen(-).
Letras diferentes, junta.
O “H” não tem personalidade. Separa (-).
O “R” e o “S”, quando estão perto das vogais, são dobrados. Mas não se juntam com consoantes.

            Suzete, fui buscar em outra fonte a explicação do porque mal-entendido tem hífen:

Mal-entendido é uma palavra formada através de composição por justaposição, ou seja, ocorre a formação de uma nova palavra a partir da junção de duas ou mais palavras: mal + entendido. 
Assim, mal-entendido é palavra composta, mas as palavras mal e entendido mantêm sua autonomia, estando apenas justapostas. 
Segundo o Novo Acordo Ortográfico, o hífen é utilizado em palavras compostas com o advérbio mal quando a segunda palavra começa por vogal ou h: 

mal-entendido;
mal-educado;
mal-humorado;
mal-estar;

            Tudo entendido?
            Grande abraço,

                                   Andre.

            

Quem-dá e quem-come


A crônica de hoje de Luis Fernando Verissimo para O Estado de S.Paulo (6 Set 2018) intituladaAtivos e passivoscomeça de um jeito provocativo, para tratar de assunto sério e que ninguém quer ver.
Assinala Verissimo: “Para o homem latino tradicional, só existe homossexual passivo, o ativo é apenas um heterossexual que prefere homem. Essa mentalidade talvez explique a curiosa existência no Brasil, até pouco tempo, de corruptos sem corruptores.” 
Continua o grande cronista, agora botando o dedo na ferida: “Outra manifestação da doutrina homossexual-é-só-quem-dá é a guerra ao narcotráfico, que ainda não chegou ao grande mistério, ou o grande paradoxo brasileiro: um mercado de tóxicos que só tem fornecedor. Um mercado que só dá.”
Com palavras minhas: só há fornecedores – que se destacam cada vez mais, especialmente quando as forças armadas sobem o morro; os consumidores são todos fantasmas, que nunca aparecem na mídia. 
Alguns negros e pobres são colocados atrás das precárias grades; os brancos e ricos, os verdadeiros consumidores, ninguém sabe quem são. 
Conclui Verissimo: “Ninguém consome tóxicos no Brasil, e nem por isso o mercado deixa de crescer. ... Seria interessante ter, de vez em quando, uma visão do mercado consumidor brasileiro, do lado comprador, dos ricos. Não dos que estão nos morros, mas dos que mandam baixar. Só por curiosidade.”
 Seria interessante conhecer quem-come, e não apenas só-quem-dá...