Em Luto e
melancolia (1917), Freud sintetiza de forma magistral, numa única frase, a
autorrecriminação perseverante dos melancólicos: “Queixar-se é dar queixa”. Na realidade, os melancólicos estão a
reclamar do outro.
A partir desta assertiva, passamos a examinar um tipo de
fala muito frequente – o queixume –, tanto no consultório do terapeuta quanto
nas conversas cotidianas de pessoas comuns, portanto não apenas entre melancólicos
ou deprimidos. Queixa-se de tudo e por tudo. Se o dia é de sol, queixa-se do
calor; se faz frio e chove, o dia está triste. Se o dia foi movimentado,
queixa-se do cansaço; se foi quieto, de tédio. Queixa-se tanto do trabalho
quanto das férias. A segunda-feira é quase uma unanimidade! Se o outro cumprimenta,
é invasivo e chato; se não, mal educado. O rol dos queixumes é interminável.
A primeira impressão para quem ouve o queixume é de que
aquele que se queixa espera que alguém resolva o problema dele. Senão alguém
aqui na Terra, ao menos o Pai que está no céu. Uma atitude bastante infantil, o
que não se constitui numa crítica; trata-se apenas de uma manifestação da
criança que todos carregamos vida afora. A criança repete aquilo que já
aprendeu.
A queixa em si quase sempre é desprovida de observação,
e, em consequência, não contém pensamentos claros e precisos. Muitas vezes não
contém pensamento algum, trata-se apenas de algo tóxico que se tenta expelir. Como
num vômito, após a ingestão de comida estragada. Pode até aliviar,
momentaneamente.
Se for
possível a observação mais atenta do fato que provoca frustração e das
possíveis repercussões no mundo interno de quem observa, então poderá surgir a criatividade
necessária para a elaboração. O que exige esforço em direção ao crescimento
psíquico; quando isso ocorre, dizemos que houve expansão psíquica: aquilo que
ontem não cabia em mim, hoje cabe. Então não haverá pura e simplesmente a
repetição infantil. Caso contrário, resta o queixume, manifestação
completamente desprovida de criatividade.
Espera-se
de um terapeuta, por dever de ofício, tendo em vista a sua formação, que seja paciente,
tolerante, enfim, continente diante do queixume, o que nem sempre acontece. Nas
relações cotidianas, o queixoso crônico torna-se uma pessoa desagradável, e
como, em geral, não recebe qualquer crítica a este respeito, seu comportamento
o afasta do convívio social. “Lá vem aquele chato”, é o que se diz, ou apenas se pensa, sem dizê-lo.
Sem o
menor desejo de contrariar Freud, antes apoiando-me em sua oração antológica
apresentada no início desta pequena crônica, posso pensar também que os queixosos
crônicos queixam-se de si mesmos, ao externar profundo sentimento de frustração
por algo de seu mundo interno, do qual não têm consciência.