1. Escrevo escrevo escrevo com a forte impressão de que escrevo para
ninguém, o que me é desconfortável. Estarei apenas delirando?
2. Ana Cristina Cesar descobriu:
“Agora percebo por que a grande obsessão com a carta, que é na verdade
obsessão com o interlocutor preciso e o horror do “leitor ninguém” de que fala
Cabral. A grande questão é escrever para
quem? Ora, a carta resolve este problema. Cada texto se torna uma
Correspondência Completa, de onde se estende o desejo das correspondências
completas entre nós, entre linhas, clé total. A outra variação é o diário, que
se faz à falta de interlocutor íntimo, ou à busca desse interlocutor...” (1)
3. Talvez por isso, escritores como Mário de Andrade tenham passado a
vida inteira escrevendo cartas endereçadas a deus-e-o-mundo. Pura carência
afetiva, dirão alguns.
4. Há uma terceira variação, além da carta e do diário citados por Ana
Cristina Cesar, que ocorre quando aquele que escreve dedica o texto a alguém.
Então ele tem a sensação/ilusão de que há um leitor-alguém. Para isso servem as
dedicatórias.
5. Manoel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade foram pródigos em
dedicatórias. Poetas solitários? A dedicatória mais ilustre da língua
portuguesa foi a que Luís Vaz de Camões escreveu ao Rei de Portugal D.
Sebastião, nos Lusíadas, com segundas intenções.
6. Fernando Pessoa escrevia para si próprio e trancava seus escritos
num baú, até hoje incompletamente desvelado. Angústia maior ainda do que a
daquele que não sabe para quem escreve. Esquizofrênica angústia. (Viva a
esquizofrenia!)
7. Manoel de Barros escreve para pequenos insetos e animais, ervas, matos,
passarinhos, terrenos baldios, água, árvores, pedras. Depois de muito escrever,
virou moda, ficou famoso. Antes, escritor-ninguém.
8. Edir Macedo escreve para os evangélicos e ganha muito dinheiro. Ele
sabe para quem escreve. Paulo Coelho sabe que as pessoas acreditam em tudo,
especialmente os chamados místicos. E também ganha muito dinheiro escrevendo
para elas.
9. Se você deseja escrever, melhor não pensar muito nessas coisas.
Escreva, e pronto. E não guarde num baú, publique no blog. Mesmo que ninguém
leia.
(1) A. C.
Cesar, Poética (Visita à oficina), Companhia das Letras, 2013.