Contardo Calligaris, em sua
crônica de hoje na Folha de S. Paulo (17/9), escreve sobre o filme Que Horas
Ela Volta? Diz ele: “Gostei muito do
novo filme de Anna Muylaert e admirei as performances de Regina Casé e de
Camila Márdila. Também achei bem-vinda a escolha do filme para representar o
país no Oscar, porque "Que Horas Ela Volta?" é um retrato tocante e
fiel de nossa sociedade hoje.”
Este blogueiro concorda
plenamente com Calligaris, e até tratou do assunto neste Louco (http://loucoporcachorros.blogspot.com.br/2015/08/filme-bom.html).
Concorda até aqui, pois a partir desta sucinta introdução o articulista revela
todo o enredo, destrincha o filme tintim-por-tintim (puta pleonasmo!), analisa
cada personagem em detalhes, apresenta interpretações “psicanalíticas” dos
personagens e da vida familiar retratada no filme, enfim, entrega de bandeja,
mastigado, Que horas ela volta? para
o leitor preguiçoso.
Todos temos o direito de escrever sobre o que bem
entendermos, é verdade, mas o que impressiona no caso é o furor interpretativo!
Porque quem gosta de
cinema há de preferir conhecer a história quando vai ao cinema, ao ver o filme,
e depois pensar sobre ele, conversar sobre ele, ter ideias próprias sobre o que
viu, se é capaz de pensar.
Interessante que, a
certa altura de sua crônica, Calligaris fala em “infantilização”:
“A infantilização de
todos pela babá-empregada é um exemplo do que Hegel observava sobre o mestre e
o escravo: à força de ser servido, o mestre desaprende a lidar com o mundo,
torna-se um inútil. O mestre antigo, ao menos, de vez em quando, saía pelo
mundo desafiando a morte: a coragem o qualificava como mestre. O mestre
moderno, nem isso: ninguém entende mais por qual mérito ele continuaria sendo "mestre".
Não é exatamente isso
que o cronista está fazendo com seus leitores, infantilizando-os? Não seria
possível comentar o filme sem revelá-lo completamente ao leitor? Ou faltou
assunto e é preciso entregar a longa crônica da semana? Talvez tenha faltado
uma advertência preliminar: esta crônica
deve ser lida apenas por aqueles que já viram o filme!
Na pior das hipóteses,
pouco provável em se tratando de profissional respeitadíssimo como Calligaris,
configura-se a possibilidade do paternalismo por parte do analista, diante de
seus pacientes. Este é um risco concreto que correm analista e paciente, numa
sessão de análise, em determinadas situações em que o terapeuta não suporta a
dificuldade emocional (o afeto, no sentido psicanalítico do termo) do momento,
e atua, inconscientemente.
O cinema é assunto
recorrente para conversa nas sessões de análise, o que é muito bom. Cabe ao
analista perceber o que pertence realmente ao paciente que traz determinado
tema, e não perder-se em considerações sobre o filme em si. Mas isso são outros
quinhentos... Calligaris não pretende analisar seus leitores, apenas escreve
sua crônica semanal.
Ao ir ao cinema – sempre um bom programa, quando o
filme é bom! – que cada um veja o filme à sua maneira.