Em
crônica de apresentação a seus futuros leitores em El País (24 nov 2013), Luiz Ruffato pergunta: Sabe com quem está falando? Passa então
a enumerar as ocupações e profissões que exerceu desde a meninice até os dias
atuais, coisa de deixar qualquer um boquiaberto.
“De
profissão, há dez anos sou escritor. Mas, antes, fiz de tudo um pouco. Desde
cedo comecei a trabalhar para auxiliar no orçamento doméstico”, afirma ele.
Ruffato
foi vendedor de cachaça, de tira-gostos
e cigarros para prostitutas e cafetões (a zona de meretrício ficava por perto),
depois vendedor de botões, zíperes, agulhas, sianinhas, fitas de gorgorão,
colchetes, ilhós, lantejoulas (de um armarinho no centro da cidade), trabalhador de uma fábrica de algodão hidrófilo enquanto
estudava à noite, foi torneiro mecânico em oficina de Juiz de Fora, formou-se
em jornalismo, nos anos 1980 foi aprendiz de repórter, redator, editor, no começo
dos anos 1990, desiludido do jornalismo, foi ser gerente de lanchonete, vendeu
livros de porta em porta, até voltar para o jornalismo, agora num grande
periódico nacional onde foi repórter, redator, subeditor, editor, secretário de
redação, até que se convenceu de que seu negócio era mesmo a literatura.
“Agora
você sabe com quem está falando, Muito prazer!”, diz ele a seus leitores.
Quase
morri de inveja. Eu não fui nada disso. Aliás, não fui nada. Não fiz outra
coisa durante minha infância senão brincar. Para falar a verdade, cheguei a
fabricar papagaios (pipas, para os cariocas) para vender, lá pelos 6 anos de
idade, mas não posso considerar isso uma verdadeira ocupação, apenas gostava de
fabricá-los. Fui para a escola primária aos 7 anos, e continuei brincando –
jogando futebol – até os 16 anos, quando fui fazer o cursinho pré-vestibular no
Rio de Janeiro. Jogava bola de segunda a segunda, sendo que aos domingos jogava
de manhã e à tarde. Estudava pouco e lia muito Monteiro Lobato.
Quando
entrei para a Faculdade de Medicina não fiz outra coisa senão estudar Medicina –
e estudava muito! Mas só medicina medicina medicina.
Nunca
perdi o gosto pela literatura, o que talvez tenha remediado aquele meu “nada
fazer” durante a infância e adolescência, esta última interrompida
drasticamente pela medicina (deixei meus amigos e a boa vida no interior, para
estudar na capital).
À
medida que o tempo passava, a dedicação à medicina aumentava, atingindo seu
ápice durante a Residência médica, onde sobrava pouco tempo até mesmo para
outras leituras (mesmo assim consegui ler Grande Sertão –Veredas, do Rosa, e
então o mundo se abriu).
Professor na Universidade de
Brasília, minhas atividades diversificaram-se: a Cirurgia, o ensino e a
pesquisa, porém todas relacionadas à Medicina. Que diferença para a
multiplicidade do Ruffato!
Fui morar em Londres para fazer pesquisa
(em Medicina). Vida dura, pouco dinheiro, ásperas relações humanas.
Um dia eu disse Basta. Fui fazer a
formação em Psicanálise. Outro mundo, para o bem e para o mal. Estudei muito.
Por fim, repeti Basta!
Agora toco este blog com o maior
prazer do mundo, até quando a lucidez permitir (na esperança de uma morte
súbita), mas continuo com inveja do Luiz Ruffato. Acho que meu negócio mesmo é
fazer nada.