Hélio Schwartsman inicia a crônica de
hoje (Deu zika) na Folha de S. Paulo
com duas perguntas diretas, de grande interesse para toda a sociedade, e ao
mesmo tempo polêmicas, diante da tragédia que vive o país, a epidemia de
microcefalia. Ele questiona: “Grávidas
de fetos microcefálicos devem ter o direito de abortar? E mulheres que
descobrem ter contraído zika no início da gestação?”
Segundo a lei vigente, o aborto só pode
ser praticado em duas circunstâncias: quando a vida da mãe está em perigo, ou a
gravidez resulta de estupro. O STF estendeu o direito de abortar a mulheres portadoras
de fetos anencefálicos, malformações incompatíveis com a vida extrauterina. Em
tese, a microcefalia não se aplica a esta última condição, na maioria das vezes
não é incompatível com a vida pós-nascimento .
Destaca
Schwartsman que o legislador responsável pelo atual Código Penal (de 1940), “não
colocou a vida do feto como algo a preservar a todo custo, como fazem certas
doutrinas religiosas”. A vida da mãe coloca-se hierarquicamente acima à do
nascituro. Além disso, levou em conta razões de ordem psicológica, considerando
desumano obrigar a mulher a carregar no ventre o fruto da violentíssima relação
com um estuprador. Nesse caso, fica claro que o bem-estar psicológico da mulher
prevalece sobre a vida do concepto.
Cabe aqui
uma grave observação a respeito da microcefalia. Pelas reportagens difundidas
pela mídia, especialmente pelas entrevistas realizadas com mães de
recém-nascidos portadores desta condição, fica evidente que a população não
está ciente da gravidade do comprometimento neuropsíquico dessas crianças, nem
tem sido informada de forma clara pelos órgãos de saúde competentes.
Voltando
ao nosso articulista, agora Schwartsman é peremptório:
“Foi
ampliando a noção de que a saúde psíquica das mulheres é um bem jurídico a
preservar tão valioso quanto a promessa de vida que a esmagadora maioria dos
países industrializados chegou à conclusão de que, ao menos nas fases iniciais
da gestação, a mulher deve ser livre para decidir sobre a sua continuação.”
No Brasil o debate
sobre o tema, sempre oportuno, necessário mesmo, encontra-se travado pela
intolerância religiosa, pelo fundamentalismo reinante no Congresso Nacional,
nada afeito a discussões apartidárias, isentas, de alto nível, e que envolvam
toda a sociedade brasileira.