Aprendi a ouvir música erudita com minha mãe.
(Não faço ideia com quem ela aprendeu, se é que aprendeu com alguém.) Aprender
talvez não seja a palavra mais apropriada; quero dizer apenas gostar.
Mas
havia com frequência uma nota triste nas observações dela sobre determinadas
peças, o que impressionava demais o menino pequeno, que o fazia pensar, a meio
caminho entre o entendimento e o puro sentir. Dizia minha mãe, Quando eu
estiver morrendo peço que coloquem esta música, que assim morro mais depressa.
Para o menino, se por um
lado havia o alívio do sofrimento – o morrer mais depressa –, havia também a ameaça
da perda da mãe, embora ela estivesse perfeitamente saudável naquele momento. Enfim,
um conflito.
Uma dessas músicas era o
terceiro movimento da Sinfonia n0. 3 de Brahms. (Caso o leitor
queira ouvi-la: https://www.youtube.com/watch?v=1trE3ms3AGo
)
Havia
outras, sempre de autoria dos clássicos, Beethoven o predileto. Villa-Lobos era
muito barulhento; Stravinsky, nem pensar. Quanto mais bela, tocante, sublime a
música, lá estava o bordão, Quando eu estiver morrendo...
Peter C. Bouteneff, Professor
de Teologia Sistemática na Inglaterra, onde oferece cursos de teologia antiga e
moderna, assina o artigo de capa da revista music,
da BBC, especializada em musica erudita. Na capa do último número, Arvo Pärt, o
compositor erudito mais tocado atualmente, segundo o próprio Bouteneff!
Assim Bouteneff inicia seu artigo (em tradução livre):
“Arvo Pärt é um compositor cuja música transcende qualquer classificação
e seus próprios ouvintes. Ele não é uma unanimidade; alguns mostram frieza
diante de sua música ou revelam irritação por não compreendê-la. Porém seus
admiradores tendem a ser ardentes, zelosos em sua devoção. Eles vão a Pärt para
pensar – ou não pensar. Eles o ouvem para criar sua própria arte ou comungar
com Deus. Pessoas portadoras de doenças terminais – são incontáveis os
testemunhos – ouvem sua música à medida que se aproximam da hora da morte,
encontrando uma voz que os compreenda, uma companhia confiável para sua
jornada.”
Ao
ler este texto, não pude deixar de me lembrar de minha mãe! Hoje, na velhice,
posso compreendê-la por completo. Morrer em paz talvez seja um desejo
universal. Se a música puder ajudar...
De profundis, do estoniano Arvo Pärt: