quinta-feira, 24 de março de 2016

Ciprestes com duas mulheres

Meus quadros favoritos


Vincent van Gogh: Ciprestes com duas mulheres (1889).

A foto!

A foto do dia




Alan McFadyen passou seis anos perseguindo a foto perfeita: o instante do mergulho de um martim-pescador antes de tocar a água. Foram necessários 720 mil cliques, duas vezes por dia, cerca de três vezes por semana. 
            Declarou o fotógrafo: “Nunca parei para pensar quanto tempo estava gastando no processo, porque eu curti fazer. Mas agora, olhando para trás, estou muito orgulhoso da foto.” 
            Um ótimo exemplo da utilidade do inútil. (Ver crônica recente neste blog: http://loucoporcachorros.blogspot.com.br/2016/03/inutilidades-uteis.html )
McFadyen queria homenagear o avô, que o levava a um lago cheio de martins na cidade de Kirkcudbright, na Escócia.



Uso do palavrão

Comecemos esta crônica com um pequeno texto que há de ilustrar com engenho e arte o tema central a ser aqui tratado:

“Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo... E, já agora, privatize-se também a PUTA QUE OS PARIU A TODOS.”
           
Para quem ainda não identificou o autor do pronunciamento, trata-se de José Saramago, o nosso Nobel da Língua Portuguesa. O homem estava “puto da vida”, e não encontrou outra forma de manifestar seu inconformismo, indignação e ira, a não ser com um sonoro palavrão.
O mesmo fenômeno pode ser observado em vários romances do autor: o leitor vem acompanhando um texto sisudo, circunspecto, e de repente surge o que se convencionou chamar, na língua portuguesa, de palavrão. O impacto é enorme, a surpresa mexe com o leitor, este não sabe se pode rir, o assunto era tão sério!, até que se dá conta do deboche do autor, e ri.
Podemos dizer que o palavrão, nessas circunstâncias – ou bem empregado – desmoraliza o sintoma. Palavrão é uma palavra como outra qualquer, com a capacidade de quebrar o clima, seja em um texto, numa conferência, em sala de aula, até mesmo numa sessão de psicanálise. Perdi a conta das vezes em que, em sala de aula, inesperadamente (este o segredo do negócio!), proferi no mais alto brado um puta-que-pariu, para gargalhada dos estudantes, todos muito jovens, que jamais poderiam esperar do professor uma atitude daquelas, irreverente, audaciosa, franca, humana como eles.
Certa feita, ao término de uma aula, uma certa aluna pediu para conversar comigo. Com muito cuidado, me disse:
– Professor, suas aulas são maravilhosas, inesquecíveis mesmo. Mas tem uma coisa... O senhor fala muito palavrão!
Eu não falava muito palavrão, apenas um ou dois por aula. Mas aquilo a agredia em demasia, era incompatível com a imagem que construíra do professor.
Chegamos pois ao assunto desta crônica, o palavreado de políticos importantes revelado em recentes escutas telefônicas. Agrada a alguns, a outros não. Os primeiros alegam que esta é a linguagem do povo (?) e o político que assim se manifesta aproxima-se do povo. O segundo grupo arrepia-se com tamanha falta de compostura linguística.
Bem verdade que a intimidade de uma conversa telefônica permite certa descontração, o que é bem diferente do registro de um texto ou de um pronunciamento público. Mas para tudo há limite.
Ex-presidente, governadores, ministros de estado, políticos do primeiro escalão foram pegos conversando como marginais analfabetos, exprimindo impressionante pobreza de linguagem, quando o palavrão perde o sentido pela frequência com que é pronunciado, como se fosse uma pontuação. Passa a doer no ouvido.
Se isso faz com que o político se aproxime do povo, então o povo precisa educar-se. Já os políticos...