A paciente entrou e foi logo avisando, Semana que vem vou a
Nova Iorque. Seguiu-se longo silêncio, ela provavelmente esperando que eu
perguntasse o que iria fazer em Nova Yorque. Até que que resolveu prosseguir,
confiante no relato: Vou passar uma semana numa clínica especializada, fazendo
uma limpeza intestinal; eles injetam até 40 litros de líquido no intestino, até
que a limpeza seja completa; é necessária uma dieta especial nesse período, além
de hidratação rigorosa.
Não estou
certo de que ela usou exatamente estas palavras, pois confesso que levei um
susto com tais afirmações. Eu já conhecia o procedimento (colonics, em inglês), porém minha surpresa deveu-se ao fato de
tratar-se de pessoa esclarecida, bem informada (em função da profissão que
exercia), inteligente, culta, e, no entanto...
É disso que
trata a crônica de hoje de Hélio Schwartsman para a Folha, Nossa bactéria interior. Afirma o colunista:
“Com efeito, já há alguns anos
vem ganhando espaço na biologia e na medicina a ideia de que precisamos pensar
o corpo humano não como uma entidade à parte, mas no conjunto de suas relações
com o meio ambiente, em especial a interação com espécies microscópicas com as
quais vivemos em promiscuidade há dezenas de milhares de anos. Aqui, nós
perdemos um pouco de nós para nos tornarmos um superorganismo, no qual outros
seres vivos, notadamente aqueles que habitam nosso corpo, ganham importância.
...Deixamos de ser um corpo composto por 10 trilhões de células
comandadas por 23 mil genes para nos tornarmos um bioma ao qual se somam 100
trilhões de bactérias e 3 milhões de genes não humanos.” ( O negrito é
meu.)
Passaram-se
milhões de anos para que se estabelecesse tal equilíbrio entre nosso corpo e
nossas bactérias. (O uso indiscriminado de antibióticos pode rompê-lo, com
graves consequências. Schwartsman, sempre muito bem informado – sua esposa é
médica – fala em transplante de fezes, o que pode causar enorme estranhamento
para o leigo.)
E minha
paciente foi gastar seu dinheiro com algum charlatão em Nova Iorque! O
procedimento já é praticado no Brasil, impunemente, a explorar a boa fé das
pessoas.
Talvez um
certo traço neurótico contribua para que o indivíduo não possa conviver com a
ideia exposta por Schwartsman, de que enquanto microrganismos que habitam em
nós ganham importância, “nós perdemos um pouco de nós”.
Até onde
vai o narcisismo.