– Quem é você?
– Não se lembra?
– Não...
– Zé das Dores.
– Ah! Zé, que bom ver você! Dê cá um abraço!
– Mas, e você, quem é?
– Também não se lembra?
– Não...
– André.
– André!!! Menino, pois dê cá outro abraço!
A cena se repete a cada novo encontro; são reencontros
repletos de emoções, entre pessoas que não se viam há 46 anos. A experiência é intensa
e puramente emocional. Ninguém faz perguntas complicadas: O que tem feito
durante todos esses anos? Quanto ganha por ano? Ficou rico? Comprou fazenda?
Quantas vezes se casou? Quantas separações? Tem quantos filhos? Eles já se
casaram? Continuam casados? Tem dívidas a pagar?
Nada disso, apenas Dê cá um abraço, Como vai você?, Vou
bem, e você?, Estou bem... e só, vamos nadar na superfície, ninguém deseja que
a conversa se aprofunde ou se perca em detalhes prosaicos, até mesmo sórdidos, da
vida cotidiana de todos nós. Melhor assim.
Há emoção apenas, muita emoção. E abraços, beijos, muito
carinho.
As desavenças do passado, se houver, restam esquecidas.
Prevalecem as boas lembranças, salvo uma ou outra exceção, trazida à tona por
alguém mexeriqueiro: Lembra-se daquela do Fulano?
E o diálogo se repete, Quem é você?, João, e você?,
André... Os homens levam os equívocos na galhofa, falam das carecas e barrigas,
perguntam se os pintos ainda sobem. Para as meninas, a coisa é mais séria, Como
você não me reconheceu? E amarram a cara.
Alguns ficam cada vez mais exaltados, falantes, o tom da
voz elevado por um drinque, o riso frouxo, as palavras já não fazem sentido,
apenas a emoção transborda. Outros permanecem calados, talvez soterrados pela
avalanche de lembranças e desencontrados sentimentos. Difícil pensar, num
momento como esse, em que os mesmos diálogos se repetem:
– Não se lembra de mim?
– ...Não.
– André.
– André! Você tinha o rosto fininho! Mas a voz é a mesma.
– Pois é, você também mudou um bocado.
Todos mudamos, é evidente, após 46 anos, quase meio
século de vida. Até que surge a pergunta mais difícil: Quantos já se foram?
Quase 30, o Fulano, o Beltrano, o Cicrano... Que descansem em paz, Um brinde
aos que estamos vivos! É isso aí! Ah!, grita alguém, Desculpem, o Pedro da Cruz
ainda não morreu.
Um colega passa por mim e sussurra em meu ouvido, Feio.
Olho surpreso e ele repete, Feio, você é muito feio. Sem graça, pergunto, E
continuo feio? Continua. Ele se afasta. Horas depois ele passa, Sabe por que
lhe chamei de feio? Não, Porque eu queria namorar a Beatriz e você se casou com
ela, fiquei com muita raiva de você, Não seja por isso, separei-me, ela está
livre agora. (Fico pensando no que poderia ter sido e não foi.)
Durante o jantar, arrefecido o impacto do primeiro reencontro,
alguém começa a contar vantagem, o que é mesmo inevitável. Os mais pacientes,
ouvem; os impacientes, rabugentos pela idade, arranjam uma desculpa e
escafedem-se, ou escafedem-se sem qualquer desculpa. Outro acolá começa relatar
uma calamidade pessoal, Mas você está vivo, é o que importa, sua fala é logo
interrompida, ninguém quer saber de desgraça. Um terceiro ensaia uma piada
pornográfica, todos riem, as meninas – todas em torno dos 70 – apenas sorriem,
recatadas. Um quarto chega e conta a mesma história que havia relatado duas
horas antes, com os mesmos exaustivos detalhes. O amigo de muitos anos vira-se
para a minha mulher, que ele conhece de longa data, Não estou reconhecendo
você, é da turma? Não, sou a mulher do André, Mas você mudou o corte do cabelo
– foi a melhor desculpa que ele pôde encontrar.
Lá pelas tantas o antigo representante de turma pede a
palavra e faz um belo discurso, a enaltecer o fato de que estamos vivos,
vencidas tantas dificuldades. É muito aplaudido.
A noite não
demora a chegar ao fim, ninguém consegue esconder um certo cansaço, e muito
sono. É a idade.
Ano que vem
tem mais!