Tudo
o que fazíamos em Sobradinho era compartilhado, seja com os alunos da
graduação, com os médicos residentes, ou entre os próprios professores. A
partir da experiência inicial descrita acima, passei a ler sobre o tema e,
concomitantemente, discuti-lo através de seminários. A menor recepção, devo
confessá-lo, ocorreu entre os professores; a melhor, entro os graduandos,
especialmente aqueles do último ano.
O livro de Elisabeth Kübler-Ross,
Sobre a morte e o morrer, causou-me forte impressão à época. As ideias ali
expostas eram completamente novas para mim, e significavam, antes de tudo, o
desenvolvimento de um maior compromisso para com meus pacientes de modo geral,
não apenas aqueles terminais.
Porém, um outro livro exerceu sobre
mim influência maior ainda, pela motivação para o estudo que despertou: Sobre a
história da morte no Ocidente desde a Idade Média, de Philippe Ariés. O
historiador francês (1914-1984) descreve as atitudes do homem perante a morte,
e como elas evoluíram através dos tempos, desde o que ele chamou de a “morte
domesticada”, passando pela morte do próprio sujeito e do outro, até chegar à
interdição da morte, que ainda perdura de certa maneira até os nossos dias.
Citei Philippe Ariés em todos os
seminários que participei, recomendei a todos a leitura da obra, mas nunca tive
qualquer retorno, um aluno sequer que me dissesse que havia lido o livro. Não
que eu me lembre. Este fato simboliza quão solitário foi o meu percurso, ao
tentar difundir novas ideias sobre a morte e o processo de morrer numa escola
de medicina. Mas o interesse dos alunos tornava-se gritante quando discutíamos
o que dizer ao paciente terminal que perguntava Doutor o que eu tenho?
Medo, muito medo, é o que os alunos
sentiam, e ainda sentem, de ouvir esta pergunta e não saber o que responder. Medo
de conversar, enfim. Principalmente por falta de qualquer orientação sobre o
assunto. Em tais circunstâncias, o fundamental não é o que dizer, e sim saber
ouvir. A maioria dos pacientes necessita expressar sua angústia frente a enorme
incerteza a respeito de sua vida. Ele quer falar. Cabe àquele que atende,
ouvir, mas ouvir atenta e acolhedoramente. E quando não souber o que responder,
apenas diga que não sabe, mas que vai se informar sobre o problema. Enfim,
chamo isso de conversar com o paciente. Este tipo de relação acarreta por parte
do médico profundo compromisso para com seu paciente, e talvez isso ainda
assuste o estudante de medicina.
No início da década de 80, pelo menos 50% dos alunos
manifestavam-se contrários ao ato de se dizer a verdade aos pacientes. As
discussões giravam em grande parte sobre este aspecto do problema, dizer ou não
dizer a verdade. Posso afirmar, sem sombra de dúvida, que nos últimos
seminários de que participei, 100% dos alunos eram favoráveis de que o paciente
fosse informado corretamente sobre sua doença. Sou testemunha desta
importantíssima mudança no modo de pensar. Se ela chega a ser posta em prática,
na relação com o paciente, e em que proporção, não posso dizer.
Durante os seminários outras questões iam surgindo, ao
mesmo tempo que demonstrando interesse, revelando a própria angústia de cada um
diante da morte. Revelar ou não a verdade aos familiares do paciente terminal?
E se o paciente proibisse o médico de fazê-lo? Situação inversa era aquela dos
familiares pedirem ao médico que não informasse o paciente, embora este
desejasse sabe-lo. Por fim, uma questão crucial a ser respondida: Doutor,
quanto tempo tenho de vida?
A verdade talvez seja tão assustadora por ser sempre tão relativa e trazer sempre a sua carga de duvida. Serão os diagnósticos médicos , por exemplo, verdades absolutas?
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