segunda-feira, 15 de julho de 2013

7. A experiência pedagógica


Tudo o que fazíamos em Sobradinho era compartilhado, seja com os alunos da graduação, com os médicos residentes, ou entre os próprios professores. A partir da experiência inicial descrita acima, passei a ler sobre o tema e, concomitantemente, discuti-lo através de seminários. A menor recepção, devo confessá-lo, ocorreu entre os professores; a melhor, entro os graduandos, especialmente aqueles do último ano.
            O livro de Elisabeth Kübler-Ross, Sobre a morte e o morrer, causou-me forte impressão à época. As ideias ali expostas eram completamente novas para mim, e significavam, antes de tudo, o desenvolvimento de um maior compromisso para com meus pacientes de modo geral, não apenas aqueles terminais.
            Porém, um outro livro exerceu sobre mim influência maior ainda, pela motivação para o estudo que despertou: Sobre a história da morte no Ocidente desde a Idade Média, de Philippe Ariés. O historiador francês (1914-1984) descreve as atitudes do homem perante a morte, e como elas evoluíram através dos tempos, desde o que ele chamou de a “morte domesticada”, passando pela morte do próprio sujeito e do outro, até chegar à interdição da morte, que ainda perdura de certa maneira até os nossos dias.
           Citei Philippe Ariés em todos os seminários que participei, recomendei a todos a leitura da obra, mas nunca tive qualquer retorno, um aluno sequer que me dissesse que havia lido o livro. Não que eu me lembre. Este fato simboliza quão solitário foi o meu percurso, ao tentar difundir novas ideias sobre a morte e o processo de morrer numa escola de medicina. Mas o interesse dos alunos tornava-se gritante quando discutíamos o que dizer ao paciente terminal que perguntava Doutor o que eu tenho?
            Medo, muito medo, é o que os alunos sentiam, e ainda sentem, de ouvir esta pergunta e não saber o que responder. Medo de conversar, enfim. Principalmente por falta de qualquer orientação sobre o assunto. Em tais circunstâncias, o fundamental não é o que dizer, e sim saber ouvir. A maioria dos pacientes necessita expressar sua angústia frente a enorme incerteza a respeito de sua vida. Ele quer falar. Cabe àquele que atende, ouvir, mas ouvir atenta e acolhedoramente. E quando não souber o que responder, apenas diga que não sabe, mas que vai se informar sobre o problema. Enfim, chamo isso de conversar com o paciente. Este tipo de relação acarreta por parte do médico profundo compromisso para com seu paciente, e talvez isso ainda assuste o estudante de medicina.
No início da década de 80, pelo menos 50% dos alunos manifestavam-se contrários ao ato de se dizer a verdade aos pacientes. As discussões giravam em grande parte sobre este aspecto do problema, dizer ou não dizer a verdade. Posso afirmar, sem sombra de dúvida, que nos últimos seminários de que participei, 100% dos alunos eram favoráveis de que o paciente fosse informado corretamente sobre sua doença. Sou testemunha desta importantíssima mudança no modo de pensar. Se ela chega a ser posta em prática, na relação com o paciente, e em que proporção, não posso dizer.
Durante os seminários outras questões iam surgindo, ao mesmo tempo que demonstrando interesse, revelando a própria angústia de cada um diante da morte. Revelar ou não a verdade aos familiares do paciente terminal? E se o paciente proibisse o médico de fazê-lo? Situação inversa era aquela dos familiares pedirem ao médico que não informasse o paciente, embora este desejasse sabe-lo. Por fim, uma questão crucial a ser respondida: Doutor, quanto tempo tenho de vida?

Um comentário:

  1. A verdade talvez seja tão assustadora por ser sempre tão relativa e trazer sempre a sua carga de duvida. Serão os diagnósticos médicos , por exemplo, verdades absolutas?

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