Ao meu irmão
Paulo.
Um leitor especial deste
blog, assíduo e benevolente leitor, parece que se encantou recentemente com uma
determinada crônica intitulada O que você prefere? (http://loucoporcachorros.blogspot.com.br/2014/10/o-que-voce-prefere.html)
Bem singela a crônica, quase besta, posso lhes assegurar. E ele me informa que
às tantas precisou interromper a leitura para dar espaço a boas gargalhadas. Em
seguida, ele me pergunta, De onde você tira essas ideias? Ao que respondo
prontamente, Sei lá!
Tanto
a pergunta quanto a resposta merecem a nossa consideração. Aliás, para quem
gosta de escrever, qualquer coisa que mereça consideração pode tornar-se tema
para uma crônica, conto, microconto, poema, romance, a depender do engenho e
arte do escrevedor.
A
pergunta remeteu-me a interessantíssimo artigo de Sigmund Freud, originalmente
proferido como conferência em 1907, a pedido do editor e livreiro vienense Hugo
Heller. A publicação surgiu no ano seguinte, com o título Escritores criativos
e devaneios.(1) Assim tem início o artigo:
“Nós,
leigos, sempre sentimos uma intensa curiosidade – como o Cardeal que fez uma
idêntica indagação a Ariosto (2) – em saber de que fontes esse
estranho ser, o escritor criativo, retira seu material, e como consegue
impressionar-nos com o mesmo e despertar-nos emoções das quais talvez nem nos
julgássemos capazes. Nosso interesse intensifica-se ainda mais pelo fato de
que, ao ser interrogado, o escritor não nos oferece uma explicação, ou pelo
menos nenhuma satisfatória.”
E
Freud prossegue com uma primeira hipótese, sob a forma de elegantes indagações:
“Será
que deveríamos procurar já na infância os primeiros traços de atividade
imaginativa? ... Acaso não poderíamos dizer que ao brincar toda criança se
comporta como um escritor criativo, pois cria um mundo próprio, ou melhor,
reajusta os elementos de seu mundo de uma nova forma que lhe agrade? ... O
escritor criativo faz o mesmo que a criança que brinca.”
Cabe
aqui um esclarecimento importante, antes de prosseguir nessas ideias sobre a
pergunta formulada por meu fiel leitor. Longe de mim considerar-me um “escritor
criativo”, do tipo a que Freud se refere, um verdadeiro artista. Porém,
considero-me um escritor, pelo simples fato de que escrevo neste blog quase que
diariamente. E alguém me lê, independentemente da qualidade do que escrevo.
Aproveito aqui outra
afirmação de Freud, no mesmo artigo, para justificar minha persistência em
escrever: “O adulto envergonha-se de suas fantasias por serem infantis e
proibidas.” Então, perdi a vergonha! E escrevo o que me vem ao bestunto, e esta
é a resposta que devo ao meu caro leitor. E o blog serve muito bem a este propósito
– uma brincadeira. (Por isso mesmo, erros de ortografia e imperfeições de estilo são sempre perdoáveis...)
Qualquer pessoa pode
escrever, embora a maioria diga o contrário, afirmando que “não tem jeito” para
a coisa. Para escrever é preciso perder a vergonha, quebrar a autocensura,
brincar enfim. (Se vai surgir um artista, esta é uma outra questão.) Já escrevi
em outro lugar, e repito: a palavra “infantil” tornou-se pejorativa, com o
significado de estúpido, pueril, desinteressante, boboca. Quando dizemos que
tal reação é infantil, a frase é tomada como ofensa. Não o é, necessariamente.
A crônica que chamei de besta nada mais é do que uma escrita de fundo puramente
infantil, disfarçada por um estilo adulto. Se tocou meu leitor, provavelmente é
porque também mobilizou nele algo primitivo, ou infantil.
Brinquemos, portanto!
(1) Ed. Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. IX, p. 135.)
(2) O Cardeal Ippolito d`Este foi o
primeiro protetor de Ariosto, que a ele dedicou o Orlando Furioso. A única
recompensa do poeta foi a pergunta: “Onde encontrou tantas histórias,
Lodovico?” (Nota de S. Freud.)