quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Ah! As cartas!


Ouvi do amigo que e-mail é coisa do passado, um dinossauro da Internet.
O que dizer então, fiquei pensando, das cartas, aquelas manuscritas sobre uma folha de papel em branco, escritas à tinta com caneta-tinteiro, daquelas que exigem reabastecimento de tempos em tempos, utilizando-se dos tinteiros, estes também objetos pré-históricos. Depois de colocadas em um envelope, assinalados destinatário e remetente, e devidamente seladas, eram enviadas pelos Correios. Postar agora significa outra coisa.
            Lembrei-me então dos anos em que morei em Londres, onde a solidão assolava a alma. Não havia Internet naqueles tempos e o telefone era caríssimo, utilizado apenas em casos extremos.  O remédio para matar a saudade de casa e dos amigos era escrever cartas.
            Comprei um jogo de penas de metal, de diferentes espessuras, que se encaixavam numa haste de madeira, formando assim uma caneta. A depender do formato e calibre da pena, as letras mudavam de forma. É claro que a cada duas ou três palavras a pena precisava ser molhada no tinteiro, o que tornava a escrita tremendamente lenta.
            O que pode parecer um obstáculo, pode tornar-se uma grande vantagem. O grande mérito daquele tipo de escrita era exatamente este, a lentidão. Havia um tempo enorme para pensar a escolha de cada palavra e, em consequência, ajudar o tempo passar.
            O conteúdo das tais cartas era o que menos importava: notícias pueris, as variações climáticas – frio e chuva, chuva e frio, de vez em quando neve –, manchetes de jornal, pilhérias, chistes quase sempre tentando ridicularizar os ingleses, as dificuldades no trabalho causadas pela obstrução dos nativos, notícias da escola das crianças, das próprias crianças, a comida, a carestia, enfim, bobagens...
            (Com frequência, nas sessões de análise, os pacientes introduzem um tema dizendo, Isso que vou falar é uma bobagem...  Ao que eu sempre respondia, Aqui não vem bobagem. Nada é bobagem, agora sei.)
            Disponho de bom número de livros contendo cartas de gente famosa: correspondência entre Drummond e Mário de Andrade, Mário e Bandeira, Bandeira e Drummond, Freud e Fliess, Lou Andreas-Salomé e Freud, Rilke e sua mãe, grande parte delas a exprimir manifestações de afeto entre os correspondentes. Um outro amigo diz que gosto de bisbilhotar a vida dos outros, mas gosto mesmo é de literatura epistolar.
            Hoje percebo com clareza ainda maior a função daquelas “cartas inglesas”, perdidas para sempre nos lixos de seus destinatários. Muitos anos depois, utilizo-me deste blog para escrever bobagens, as minhas bobagens... Tenho pouquíssimos leitores, é verdade, mas também não havia muita gente a quem endereçar aquelas cartas. O que pouco importa, pois a função da escrita é a mesma, ajudar a mente a permanecer funcionando, dar novos significados ao passado (já não sinto tanto ódio dos ingleses...), e acima de tudo manter contato com as pessoas.
Não uso mais as tais penas ou canetas-tinteiro, e o computador pode ser bem empregado, com vantagens, para o exercício constante do escrever. Hoje, a publicação no blog é a carta que é enviada.
Porém, acredito que a carta ainda mantém seu charme. Qualquer dia desses escrevo uma ao amigo.