O artigo do
Prof. Christian Kieling, do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de
Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), intitulado Perguntar
é preciso?, publicado no Estado da Arte (Estadão, 06 Junho 2017), é
curioso, para dizer o mínimo. Afirma o professor:
“A psiquiatria é, sem sombra de dúvidas, a mais
atrasada das especialidades médicas. Diferentemente de outras áreas de
medicina, quando uma dúvida na avaliação clínica se coloca, um psiquiatra
praticamente não tem exames complementares a recorrer para corroborar ou
refutar sua hipótese diagnóstica. Enquanto uma suspeita de anemia quase
invariavelmente resulta em um pedido de um hemograma; ou uma investigação de
pneumonia, em um raio-x de tórax; na avaliação de sintomas emocionais nenhum
teste laboratorial acrescenta muito às informações obtidas durante a entrevista
com o paciente.”
Kieling
discorre sobre a insuficiência do famoso DSM-5 para aprimorar e tornar mais
uniformes os diagnósticos psiquiátricos. Parece que ele gostaria de fazer
diagnósticos como um aparelho de medir pressão arterial faz, mecanicamente! E
chega mesmo a fazer esta comparação, para depois concluir:
“Ao contrário do exemplo acima, psiquiatras
costumam confiar na avaliação de sintomas obtida exclusivamente dentro do
consultório. É como se perguntas sobre tristeza ou apatia tivessem um valor
diagnóstico igual ou superior a medidas fisiológicas. Talvez a relativamente
recente possibilidade de usar critérios operacionais uniformes – as listas de
sintomas do DSM – tenha gerado entre os psiquiatras a confiança de que uma
pergunta sobre como a pessoa esteve se sentido nas últimas duas semanas possa
de fato capturar o que aconteceu.”
Parece que o Prof. Kieling vive um conflito. De fato, após
minha experiência com o processo psicanalítico, em que acompanhava o paciente
por anos a fio na tentativa de conhecê-lo melhor, tornou-se incompreensível
para mim como um psiquiatra poderia fazer um diagnóstico – e medicar seu
paciente – dispondo de uma única consulta. Talvez seja esta a causa da angústia
do professor, que implora por exames complementares em sue artigo.
Mesmo não sendo psiquiatra, não posso concordar com a
afirmação de que “A psiquiatria é, sem sombra de dúvidas, a mais atrasada das
especialidades médicas”. Por uma razão pessoal, marcante em minha vida, e que
passo a narrar.
Desde o segundo ano do curso de Medicina, nos idos de 60,
na antiga Universidade do Estado da Guanabara, hoje UERJ, o jovem ingênuo
estudante pendia entre a Psiquiatria e a Cirurgia, como especialidades a serem por
ele seguidas. Ele gostava de ambas: da teoria da primeira, da prática da
segunda. Acabou tornando-se um cirurgião, pois o que presenciava no serviço de
psiquiatria era um terror: pacientes impregnados com haloperidol, idiotizados,
uns zumbis babando na camisa, perambulando sem rumo, num estado aparentemente
pior do que aquele produzido pela própria doença. Isso o jovem formando não
queria para si, como projeto de vida profissional. (Ele não foi apresentado à
Psicanálise na época.)
Desde então, a terapia medicamentosa evoluiu
tremendamente em Psiquiatria, equiparando-a a outras especialidades médicas.
Saber manejá-la diante de cada paciente, eis a arte exigida do bom especialista,
sempre após algum tempo de acompanhamento. (É preciso lembrar que a própria
Medicina Interna, ou Clínica Médica, encontra-se em estado bastante atrasado:
não é capaz de curar nem mesmo a hipertensão arterial, pois o paciente precisa
ingerir a medicação pelo resto da vida, sem contar os efeitos colaterais.)
Diante da
doença mental, nos casos em que apenas o medicamento não é suficiente, a
psicoterapia ajuda sem sombra de dúvida. Então, “uma pergunta sobre como a
pessoa esteve se sentido nas últimas duas semanas possa de fato capturar o que
aconteceu”.
No mínimo
curioso, o artigo do Estado da Arte!