Tornou-se tão exímio em microcontos que agora só se expressava com monossílabos.
Quem foi Paulo Leminski?
O garoto que descobriu ser poeta aos sete anos ou o bandido que sabia latim?
O judoca faixa preta, filho de militar ou o mestiço parceiro dos Novos Baianos no Solar da Fossa?
O carismático boêmio sem limites ou o pai de família amoroso e preocupado?
Leminski foi esses todos. Viveu suas vidas com fome e pressa. Seus sonhos eram dirigidos por cineastas americanos. Aprendeu hebraico para ler a bíblia e japonês para entender o zen budismo. Escreveu biografias e investigou o sucesso de Jesus, o idealismo de Trotsky e a graça concisa do Haicai.
Foi vanguardista, concretista, tropicalista, marginal e Leminski. Musicou seus poemas enquanto distribuía versos para as canções da MPB. De Ney Matogrosso a Caetano, de Itamar Assunção a Moraes Moreira, todos queriam beber da fonte do poeta que encarnou o espírito do seu tempo.
Na volta a Curitiba, manteve a casa e o coração sem portas. O polacolocopaca tornou a cidade madrasta mais doce. Caneta, guardanapo, óculos e bigodes atentos, vinte quatro horas por dia, e um pouco mais.
Paulo Leminski foi, antes e acima de tudo, um poeta. Usou os idiomas, o judô, a música, a vodca e os sonhos para equipar sua linguagem. Queria poder dizer tudo em forma de poesia. Inventou, então, uma nova forma de escrever.
O rigor desleixado e a anarquia calculada de suas poesias curtas desconstroem e revelam brincando. Desautomatizam trocadilhos e ditados populares num “golpe único e perfeito, sem hesitar diante da intuição”, como um mestre de arte marcial, como um Zico.
Aos quarenta e quatro anos Leminski “partiu da embriaguez de viver, para o sonho de outras esferas”. Sofrer foi a obra que fez questão de viver até o fim. Feriu-se de morte com a própria espada, como um samurai de bigodes longos que decide a sua hora.
“Criar beleza com linguagem é inato, é um erro de programação genética”. Quando um poeta morre antes da hora, leva com ele o dicionário do seu tempo. Leminski deixou órfãs de palavras a sua geração e mais outras três à frente. A inutilidade dos poetas é imprescindível.
Moisés Lobo Furtado 18/11/2020
Isso precisa acabar!
Fotógrafo desconhecido, cerca de 1860.