Finalmente chega-me às mãos – o que não passa de força de expressão pois interessa mesmo é chegar-me aos olhos e depois ao espírito –, o Último caderno de Lanzarote, de José Saramago, editado pela Companhia das Letras, 2018.
O livro vem acompanhado de outro, Um país levantado em alegria, do jornalista Ricardo Viel, ambos com o igual formato 18 x 15 cm, incluídos numa pequena caixa ilustrada com a inconfundível paisagem de Lanzarote, trazendo curiosa advertência: “não podem ser vendidos separadamente”. Como a caixa vinha fechada e o preço era bem salgado, a ideia que me ocorreu é que se tratava de jogada comercial: junto do trigo, vai o joio.
Que nada!
Um país levantado em alegria traz o subtítulo20 anos do prêmio Nobel de literatura a José Saramago, dividido em capítulos: Os dias do Nobel (O segredo, A hora do anúncio, Eterno candidato, A festa em Frankfurt, O Nobel na Espanha, A recepção em Portugal, A consagração em Estocolmo), As felicitações, Discursos de Estocolmo, Diários de Pilar del Río. Para quem idolatra o português é pura emoção saber de tantos detalhes. Delícia de livrinho!
Em uma espécie de introdução, Pilar del Río informa que o sexto Caderno permaneceu como que oculto num dos computadores de Saramago, em pasta intitulada “Cadernos”; pensava-se que ela continha apenas os cinco cadernos já publicados; para surpresa de Fernando Gómez Aguilera, encarregado de organizar conferências e discursos do autor, lá estava gravado o sexto caderno, esquecido de todos, e que agora chega até nós, 20 anos após ter sido escrito e oito anos após a morte do autor. Que presente!
A caixa, como já informei, traz bela paisagem de Lanzarote, foto de João Francisco Vilhena; as capas de ambos os dois volumes são preciosas: a foto do Cadernoé do nosso Sebastião Salgado, na Ilha de Lanzarote, 1996; e a de Um país levantado, de Daniel Mordzinski, em Paris, 1998.
E o diário tem início com a data 1 de janeiro de 1998, ano em que o primeiro autor de língua portuguesa ganha o Nobel de Literatura.
Fragmentos deste Último Caderno virão ao blog à medida que o livro, bem devagar, for saboreado. Assim tem início o primeiro texto:
“Durante a noite, o vento andou de cabeça perdida, dando voltas contínuas à casa, servindo-se de quantas saliências e interstícios encontrava para fazer soar a gama completa dos instrumentos da sua orquestra particular, sobretudo os gemidos, os silvos e os roncos das cordas, pontuados de vez em quando pelo golpe de timbale de uma persiana mal fechada. Nervosos, os cães lançavam-se de rompante pela gateira da porta da cozinha (o ruído é inconfundível) para irem ladrar lá fora ao inimigo invisível que não os deixava dormir. Manhã cedo, antes mesmo do pequeno-almoço, desci ao jardim para ver os estragos, se os houvera.”
Pequena amostra do brilhante Saramago de sempre!
Isso é saber escrever, o resto é garatuja. O gajo mereceu!
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